João, a única vítima

PUBLICADO NO JORNAL A TRIBUNA, PÁG. A-11 (TRIBUNA LIVRE) , DIA 24 DE MARÇO DE 2008.

A vida do garoto virou do avesso. O menino João Victor, de oito anos, em questão de uma semana, se transformou numa mercadoria a ser explorada. Tornou-se um produto a ser consumido pela mídia e pelo sistema educacional, além das instituições obcecadas por dividendos políticos. O aluno, equivocadamente chamado de gênio, entre outros adjetivos, gerou discussões que raramente ultrapassam os limites da casca, da superficialidade.

O ponto não é debater a falácia do vestibular em muitas instituições privadas de ensino superior. É redundante observar que o viés mercadológico se mostra latente a partir do momento em que o governo brasileiro, sem importar a cor da camisa, optou por atender aos organismos internacionais pela quantidade de seres em sala de aula e negligenciou planos de longo prazo que visassem a qualidade do ensino. Outro ponto a ser descartado é a especulação em torno da inteligência dele. Se fosse superdotado, o que ele não é, João Victor deveria estar numa escola ou em um programa especial, jamais numa universidade.

O episódio do garoto merece um olhar diferenciado entre os universos público e privado, embora o caso demonstre uma clara fusão dos dois cenários. No campo privado, a história de João Victor indica, em primeira análise, a incapacidade de separar – no âmbito familiar – os papéis que cabem aos indivíduos.

O fato dos pais desejarem, com argumentos rasos como a freqüência em algumas disciplinas, a presença de João Victor num banco universitário nos remonta ao período medieval. Em outras palavras, momento em que crianças eram vistas como “adultos pequenos”, visão preponderante até fins do século XIX.

No entanto, tal perspectiva decorre da necessidade de obtenção de sucesso e/ou reconhecimento a qualquer custo. O que dizer de crianças – desconheço se é o caso do menino goiano – que possuem uma agenda atribulada e sofrem de estresse? São cursos de idiomas, modalidades esportivas, compromissos com a escola, tudo exatamente no plural. Muitos pais alegam que a hora de brincar também está prevista na rotina. Mas pode ser reconsiderada diante da criança morta de cansaço.

Além disso, a perspectiva dos pais de João Victor não é diferente de muitos adultos, que projetam os desejos pessoais mais profundos em seus rebentos. A terceirização de sonhos implica, em muitos casos, na incineração de etapas da vida, com o desprezo de rituais que significam a construção de um ser humano pleno. São pais que buscam transformar seus filhos em celebridades instantâneas, como artistas-mirins e os Robinhos da próxima semana. Investem neles não para sejam seres humanos melhores, mas para que alcancem o sucesso profissional e a fama, seja lá o que isso significa e quais dividendos gerar.

Essa postura se equivoca ao esquecer que a queda ou as oscilações naturais de rendimentos do ser humano – vamos dizer assim – são capazes de demolir aqueles que ainda se mostram frágeis em termos psicológicos, as crianças.

Somado a isso, pode-se observar com nitidez a exploração da insegurança e a instabilidade humana como tema da sala de estar em alguns programas de televisão. Os pais do garoto, crentes numa condição igualitária de debate, são arrastados para um turbilhão de opiniões de “especialistas”, ávidos por moralizar o comportamento dos pais em minutos de bate-boca. O mundo do espetáculo designa a eles o papel de réus, condenados por antecipação, inclusive com desconhecimento do processo.

Qual é o passado desta família? Por que o garoto foi matriculado no processo seletivo e na universidade? Quais orientações a família recebeu? E de quem? O que desejavam provar para si e para a sociedade? Na verdade, isso pouco importa. O fato é que os milhares de pais com seus milhares de joões precisam repensar seus papéis e, se necessário, procurar ajuda qualificada. No caso do João de Goiânia, deixem-no seguir a própria vida e ser somente um menino comum de oito anos de idade.

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