Procurado vivo ou morto (ou Faroeste Caboclo)

O crime: assalto a uma residência. Os criminosos: três homens, todos armados, com idades entre 20 e 40 anos. A vítima: uma família com posses e alguma influência na comunidade onde reside. O xerife: indivíduo nomeado pelo Estado, que realizou diligências pelo condado, mas foi incapaz de sentir o rastro dos ladrões.
Ao andar pelas ruas, observa-se nas árvores e nos postes o velho papel de “Procura-se”, o que indica, em tese, duas possibilidades: os criminosos são realmente importantes ou o que foi roubado apresenta valor inestimável às vítimas. A recompensa foi estipulada: R$ 10 mil.
A primeira diferença é que a cidade onde aconteceu o crime não fica perdida no meio do nada nem é repleta de viajantes em carruagens e seres de índole discutível montados em cavalos bravios. O assalto aconteceu recentemente no bairro do Morumbi, em São Paulo.
A segunda se refere ao fato de que a recompensa indicada nos seis mil cartazes espalhados pela cidade não será dada pela cabeça dos criminosos, mas por informações sobre o bando. Neste caso, não vale a velha máxima “Vivo ou Morto”; pelo menos, na teoria.
O proprietário da casa assaltada é o autor da idéia. Ele afirmou, em entrevista ao jornal da Globo, que se cansou da inoperância da sociedade diante da criminalidade. Explicou também que o valor é apenas um pequeno presente. O advogado dele, Daniel Gonçalves, reforçou a proposta ao colocar que dinheiro é o único combustível para que as pessoas se envolvam e forneçam informações.
No mesmo dia, o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), oficializou em palavras a política do “atire primeiro, pergunte depois”. Isso significa que os policiais receberam autorização para disparar sem pensar nos presos que esboçarem qualquer reação diante deles. A ordem do governador é conseqüência da emboscada promovida por cinco presos da Colônia Penal de Campo Grande contra dois homens do serviço reservado da PM. O saldo foi uma viatura incendiada. A dupla de policiais escapou da morte. Os assessores do governador garantiram que as declarações tinham como objetivos causar impacto e demonstrar força diante da criminalidade.
O rico que estipula recompensa e o governador-falastrão são elementos da mesma cadeia, que se caracteriza pela descrença nas instituições (sem abandoná-las quando for conveniente), pelo jogo-de-cena e personalismo nas ações e pela inoperância do sistema auto-alimentado por estes defeitos.
Quem já foi assaltado e esteve na mira de um revólver, mesmo que por alguns segundos como este jornalista que vos escreve, sabe como se desenha o terror, que pode se manifestar inclusive na paralisia ou na mais absoluta frieza frente ao agressor. No entanto, a justiça pelas próprias mãos – ou pagando como se fosse um serviço – demonstra o gosto pela barbárie, às vezes presente naqueles que se encontram no topo da pirâmide sócio-econômica brasileira.
A elite – para usar um termo da moda - ainda não deseja se curar da miopia social. A cegueira que a acompanha se manifesta, por exemplo, na inexistência de consciência coletiva. O que interessa são as soluções individuais, calcadas no poder econômico. Neste sentido, a lei é vista como secundária, servindo aos outros, tolos em acreditar que é possível sobreviver com o mínimo de organização das instituições. Em outras palavras, utilizar o poder de influência – afinal, ele está sólido no cotidiano – para alterar o entorno do micro-cosmo em que se vive. Este micro-cosmo é, infelizmente, quase do tamanho de uma bolha de plástico no quarto de dormir.
Os olhares destes cidadãos estão adormecidos por lentes que visualizam somente as relações de consumo. Se a política de segurança pública é ineficaz, as câmeras, alarmes e grades serão suficientes para impedir o perigo. Se estes equipamentos falharem, paga-se pela informação e/ou pelo serviço necessário. E depois, como fica? Paga-se também para que pistoleiros solitários prendam os bandidos? Em algumas regiões, sabemos que sim. Em outras, grita-se por socorro para aquela instituição considerada falha.
A descrença nas instituições está atrelada diretamente à incapacidade administrativa ou política de investimentos em infra-estrutura. Em tempos de litros de saliva e de quilos de papel gastos para se debater o uso de cartões corporativos, os políticos tiram a cabeça do buraco para “causar impacto”, como dizem seus assessores. É bate-papo contra balas, retórica contra o pragmatismo do crime.
Tenho certeza de que os presos tremeram de medo com as declarações do governador de Mato Grosso do Sul. Tanto pavor que se comunicaram por celulares e avisaram uns aos outros de que agora a criminalidade será paralisada pelo poder da palavra.
O destempero das declarações do governador aponta como os políticos profissionais ainda não desejam a maturidade na gestão da coisa pública. Vale a regra da repressão, como se matar presos resolvesse as crônicas deficiências do sistema de segurança. Os 111 presos mortos no Carandiru talvez sirvam de exemplo para ilustrar como atirar a esmo provoca o ricochete de balas, mesmo que no debate político.
Os ricos cansados de violência – porém usuários do sistema público quando lhes interessam – e os políticos profissionais – treinados para mamar na mesma fonte, mas preparados para encenar a independência dela – representam como o Estado brasileiro é encarado e imaginado. Independente da bola da vez, o Estado é mãe de todos, mas também não é de ninguém.

Obs.: O título Faroeste Caboclo é fruto da criatividade do colega e mestre Marcio Calafiori.

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