(Não) quero falar sobre você

Beth Soares - Foto: Nara Assunção

Marcus Vinicius Batista

Eu me recuso a falar de você. Rejeito tagarelar, apesar de você. Tenho medo de cair na vala comum, entupida de elogios e bajulações deste dia. Dou a ti os parabéns de forma comedida, logo após a meia-noite, não para ser o primeiro e parecer especial, mas para me livrar com rapidez e eficiência das convenções sociais.

Você está acima das normas e dos protocolos amorosos. Você aproveita o dia, inclusive porque o merece, com a consciência de que a festa se faz necessária, porém é essencial conversar sobre ela e o que motiva sua realização. Ganha e distribui rosas, parte da dança, sem se esquecer que elas são rotina no endereço que respira nosso jeito de ver os dias. De várias cores, sem motivos para descansar nos vasos.

Ando na hora do almoço a pensar sobre o que poderia te dar de presente. As três primeiras alternativas denunciam minha falta de traquejo, feito estrangeiro de cintura dura, que flerta com a tentação de legislar em causa própria. O melhor presente, ensinamento seu, não é o mais caro ou o mais pirotécnico, nem sempre o mais prático. O melhor presente é a lembrancinha que, no nome, diz: "lembrei-me de você!"

Você me alterou. Injustiça. Você me tornou melhor. A vida se encaminhou para as nossas experiências, nossas crises superadas, nossas manias reavaliadas, nossos defeitos como vitais para um contexto único, que inclui aqueles que também amamos, de sangue ou do caminho. Estar junto não é grudar todo o tempo.

Só você para me arrancar de uma paralisia literária. Não sei explicar, mas - de todos os textos que se desenham na minha cabeça doente - escrever sobre você fermentou e cresceu mais rápido, explodindo a caixa craniana e escorrendo para as mãos, com direito a uma leve parada no peito. O parto aconteceu aqui.

Sempre te disse que você era o design imperfeito, assunto que ainda não tenho coragem de colocar para fora. O medo de te decepcionar vence, por goleada, a criatividade. Posso adiantar, sem riscos, até porque já te falei isso, que a imperfeição te torna quem é, com código de vida cicatrizado pelo corpo, sem a crença infantil da busca pela perfeição. Amar o outro é enxergá-lo sem óculos, tateando no escuro e confiante de que a miopia é transparente para os poetas.

Confesso que me sinto envergonhado quando te chamo de "minha mulher". Ato falho comum. Ainda que seja força de expressão, minha me remete à posse. Jamais cometeria a estupidez de te ter como propriedade. Sequer penso nisso ou considero a hipótese. Te amo também porque desprezamos hierarquias afetivas, porque vivemos numa relação horizontal. Entre nós, ninguém anda na frente, entrelaçamos os braços e nos protegemos, até de nós mesmos.

"Minha mulher" também não é "minha esposa", formal demais para o que somos um com o outro. Reconheço minhas limitações e admito que roubei de você o jeito como te chamo. "Baby". Encaixa em qualquer país por onde passamos ou ainda vamos pisar.

Sempre serei grato por abrir a janela para mim e me dar a chance de ver o mundo lá fora. Do quintal ao outro lado do oceano. Da árvore frondosa - palavras de um amigo sonhador - ao terreno do vizinho que pede passaporte em outra língua.

Quando me recuso a falar de você no Dia Internacional da Mulher, você já está em minhas palavras. Elas se rebelam e formam textos. Como todos os dias, falados ao pé do ouvido ou impressos para quem chegou até aqui.

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