Zenório, o cunhado


Sonele Fábia Silva*

Quando Deus instituiu a família, não contava com as pedras do caminho: os cunhados, irmãos do pai ou da mãe. Ah, esses sim, são um pesadelo. O Zenório é o típico cunhado chato, lembra muito uma puta arrependida, sabe aquelas que fizeram merda a vida inteira e resolvem se redimir e, a partir daí, tudo o que os outros fazem é errado.

O cara parece que dorme pensando no que vai fazer para atormentar no dia seguinte. Mas ele não era assim não; ficou assim, o que aconteceu com ele foi um processo de metamorfose.

O Zenório passou a vida bebendo, sorrindo, trabalhando; de repente, o cara resolve se aposentar. Deu merda. Às vezes, tenho a impressão de que aposentar não é algo tão interessante, principalmente quando ela chega ou transforma o aposentado num chato ou mata o pobre que não pode nem usufruir daquele dinheiro. Pois é, com o Zenório matou não, o cara ficou chato, parece até que fez cursinho de especialização em chatice.

Ele ficou tão complexo depois da aposentadoria que viajar de São Paulo a Santos para passar apenas dois dias é sinal de duas malas, desnecessárias, porque ele nem banho toma nesses dois dias de estadia.

Como todo cunhado, ele é espaçoso e mala é mala, serve para ocupar espaço. Junto, vem a sinfônica de Zenório: o RONCO. O ronco dele é tão significativo que, para ouvi-lo, é só passar na frente do prédio e pronto: saberá que o cunhado da vizinha chegou para passar dois dias, e sem aviso prévio.

Ele avisa quando virá? Claro que não. Ele só ronca à noite? Ele só precisa sentar para roncar. Quem sofre com tudo isso é a gata que dorme, ou tenta dormir, na sala. Se ela falasse, contaria o pesadelo que é passar a noite com o Zenório. Além de roncar, ele fala dormindo, esticado no sofá sem dó, como se estivesse no cinco estrelas do Plaza.

Ele não come qualquer coisa, se acha no direito de escolher cardápio. O prato preferido dele é batata, a batata pode vir do jeito que for, que venha a batata, dançando can can, mas que seja batata. A vantagem é que, dependendo da época, o preço da dita é razoável.

O Zenório não foi sempre assim não. Ele sorria, bebia, brincava, trabalhava, quando percebeu que estava cansado e precisava parar. Só não entendeu que a parada deveria estar relacionada somente ao ofício, e não à vida social. Ele parou de trabalhar, brincar, beber e de sorrir.

Quando Deus instituiu a família, não contava com esse imprevisto, logo deu o nome de Cunhado ao acessório familiar. Se fosse bom, não começava com Cu e, com certeza, toda a família deve ter um.

* Este texto nasceu do curso "Crônica: o amor pela vida cotidiana", que aconteceu em julho no Lobo Estúdio, em Santos. 


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