Um viciado em crise




Marcus Vinicius Batista

Descobri, esta semana, que sou um viciado. Sempre neguei o fato, projetei em pessoas próximas, critiquei desconhecidos, nunca quis conversar sobre o problema, mas tenho que admitir com todas as letras: sou um dependente.

As desculpas foram as mais variadas. Doses recreativas, reuniões com os amigos, vida social dentro da família. Rebolava para que ninguém percebesse no ambiente de trabalho. Cumpria as tarefas de madrugada, escondia o cansaço de poucas horas de sono, mascarava a irritação de estar exausto com o silêncio que parecia concentração.

Nesta semana, atingi o auge da crise. Acordei suado durante a madrugada, após um pesadelo em que ficava impossibilitado de usar meu remédio. Ontem, pela manhã, levantei duas horas mais cedo do que o normal. Insônia. Andei sem rumo pelos cômodos do apartamento. Olhava para o gato e jurava entender o que ele me dizia. Voltei para a cama e rolei até desistir e me levantar de novo. Poderia suprir meu problema – nem o entendia assim até então – com uma dose na hora do almoço.

Preocupado com o horário, quase me esqueci que iria almoçar com minha mulher. Era na mesma hora em que bastaria apertar o botão e conseguir uma dose cavalar. Uma hora e meia, duas horas talvez de viagem, de alucinações em velocidade, de múltiplas emoções, de variadas cores e origens.

Passei a tarde com suores estranhos. Corri para casa no final do dia. Tinha a sensação de que, sozinho, poderia entender melhor o que acontecia e me controlar. Nada. Sozinho, sem apoio pessoal ou profissional, apliquei-me outra vez. Alívio imediato. Uma droga meio belga, meio americana, que me conduziu a momentos que julgava únicos no passado.

Não poderia imaginar com seriam as últimas 36 horas. Sem pílulas, fornecedores de folga, programação suspensa. Nada que pudesse compensar o efeito tão prazeroso, principalmente dos últimos 10 dias.

Este testemunho talvez compense. Talvez sirva para que alguém se sensibilize. Temo entrar em estado de delírio. Mas me lembrei de que amanhã é sexta. Um novo suprimento estará disponível na hora do almoço. Para dar conta até lá, resolvei jogar bola com amigos. Dizem que exercício ajuda a superar a abstinência e a esquecer o que artificialmente nos move.

Faço um apelo, por favor, àqueles que gostam de mim: nunca me deixem uma semana sem seriados. E não aceito política de redução de danos. Ou internação compulsória. 

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