Olhando em silêncio (Conversas com Beth # 31)



Marcus Vinicius Batista

O ritual se força em mim cada vez que você dorme mais cedo. Se desmaio primeiro, sigo em paz por cinco, seis horas. Se você descansa antes, não consigo evitar: sou testemunha da minha própria preocupação.

Não existe um motivo aparente para me preocupar. Ou um motivo que seja diferente das preocupações quando estamos ambos acordados. As preocupações nascem das reações de seu corpo, da rotina dos remédios, do prazer mais limitado em qualquer treino na piscina. A preocupação persiste porque o passado não foi enterrado. A lúpus adora fingir sonolência. Eu a conheci e nunca sairei da luz amarela.

Minhas visitas ao quarto funcionam quase como o relógio da estação de trem. Meia hora quase religiosa, como badaladas do sino para avisar o início da missa, feito as três campainhas para o início da peça. Atravesso o corredor descalço, em silêncio, no escuro. Ignoro o primeiro interruptor para acender a luz do corredor no segundo, às vésperas de entrar no quarto.

À meia luz, driblo o ventilador e a cômoda para me aproximar. Respiro um pouco mais forte. Apanho-me elevando a respiração, nada programado, hoje acostumado. A respiração indicará, com honestidade, se você dorme. O silêncio exala a certeza, o som que você me devolve confirma a teoria.

Não sei porque entrei no quarto meia hora atrás. Não sei por que o fiz segundos antes de abrir este texto. Sinto a necessidade de assegurar o óbvio. Você está bem. Eu dormirei menos, de novo. A insônia me arrastará e vai me algemar ao computador, à escrita, à leitura por mais meia hora. Não me queixo, é entorpecente para me convencer de que sou capaz de te proteger.

Olho para o gato que, animal de hábitos, usufrui da quentura do edredon que esconde um de seus pés. O outro se mostra lindo, como sempre, para avisar do corpo de lado. Às vezes, o gato me olha de volta, única parte do corpo que se libertou da preguiça paralisante. Contorno a cama pelo lado esquerdo. Preciso ver mais de perto. Confirmar a paz que quebra o silêncio apenas para os que transgrediram a fronteira do armário do quarto.

Nunca subo na cama. Exploro minha envergadura para chegar a menos de meio metro. O alívio de te ver bem, a resposta de quem temeu pelo pior há um ano e meio. A evidência redundante que reforça a obviedade travestida de novo. Você está bem. Melhor do que o enjoo de algumas horas, da dor de cabeça que rebolava desde o final da tarde, do cansaço de quem nadou para ser indiferente ao mundo.

Viro as costas com a cautela de andar nas pontas dos pés. Hora de sair. Somente eu quebro o silêncio do quarto. Somente eu tenho o dever de ouvir o atrito que não acorda o gato. Sair do quarto e apagar a luz do corredor são o ponto do vigilante que fará uma ronda em breve, como em todas as noites que você dorme mais cedo.

Não avalio o ritual. Eu o cumpro e não o enxergo como tal. Ver como você está ganhou este nome porque precisava de uma palavra para denominar minhas visitas. Posso até vê-lo como um, se pensar na segurança que te ver me dá. De te ver bem, autossuficiente como todos os dias desde que este tratamento começou.

A cozinha, hoje, é minha plataforma de redação. Os dez metros que serão percorridos em meia hora, logo após o ponto final desta crônica. Levantarei da cadeira e repetirei a caminhada até nosso quarto.

Caso esteja acordada, teremos o beijo que sela a tranquilidade. Caso esteja em outro lugar, em sonho, terá minha admiração e amor, como em todas as visitas. Até a hora que me deitar ao seu lado. Aí, te acordo de forma involuntariamente e ganho o beijo que compartilha a nossa paz por cinco, seis horas.

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