Casei-me com o Sesc. Ela é testemunha



Marcus Vinicius Batista

Depois de um ano morando juntos, decidimos que era o momento de nos casarmos. Não havia desejo de festa e tampouco tínhamos dinheiro para tal capricho. A preferência era resolver no cartório. Assinar a união estável e oficializar o relacionamento.

Nada que já não ocorresse. Seria somente papel. Contas e tarefas da casa já eram divididas. As dívidas e parte dos sonhos, compartilhados. O dinheiro da festa – que não existia – poderia vir a qualquer momento, o que nos permitiria viajar, esse talvez o único item do protocolo matrimonial, o mais próximo possível de uma lua de mel.

A união estável mudaria, na prática, um ponto em nossas vidas. Eu poderia ser seu dependente no Sesc Santos. Acompanhá-la na piscina, enquanto Beth praticava natação. Almoçar pagando o mesmo preço. O mesmo valor de ingresso para peças e shows. Passar o dia no Sesc Bertioga.

O Sesc ficava a duas quadras de casa e era visto como nosso quintal. Eu deixara de ser sócio alguns anos antes, quando uma das empresas onde trabalho mudou de status e encerrou o convênio.

Duas amigas, Larissa e Marúcia, nos deram a dica. Se vocês moram juntos, por que não oficializar? Não há nada errado nisso, explicaram. Basta fazer uma declaração de próprio punho e ratificar no cartório onde vocês têm firma reconhecida. Aí, Beth poderá lhe incluir no Sesc.

Levantamos mais informações e descobrimos que eram necessárias duas testemunhas. Minha mulher pensou: “Vou chamar minha colega de trabalho. Saímos para almoçar e resolvemos de uma vez.”

No dia seguinte, fui ao cartório e, alguns minutos depois, minha mulher apareceu com Celi. Decidimos chegar no cartório e procurar por outra testemunha. Outra dica das duas amigas: basta pedir, pois sempre tem alguém lá para assinar. É só para formalizar.

Antes do cartório, o banco ao lado. Era necessário retirar dinheiro para pagar a união estável. Entramos na agência e fomos ao caixa eletrônico. Quando acabei de fazer a transação, ela entrou no banco. Parou em outro caixa e não nos viu. Abriu a bolsa, retirou o cartão e foi cuidar da vida, concentrada na tela.

Indiquei para Beth que ela estava lá. Pensei em me aproximar para cumprimentá-la. Mariza é mãe de um grande amigo, o André, e seria uma deselegância passar direto porta afora. Costumávamos nos encontrar nos eventos e ela sempre fora simpática, sempre com boa conversa, geralmente sobre literatura.

Dei um passo à frente e veio o estalo: em vez de tentar a loteria dentro do cartório, por que não convidá-la para ser nossa testemunha número 2? O máximo que poderia acontecer era uma resposta negativa, nada que afetasse a conversa cordial.

Beth e Celi me olharam com a resposta na retina: por que não? Aproximei-me de Mariza e a cumprimentei. Ela me respondeu com simpatia, perguntou o que fazíamos por ali. Respondi que nos casaríamos em minutos no cartório. Ela mal deu os parabéns e eu perguntei: “Você não quer ser nossa testemunha? Precisamos de outra pessoa.”

Mariza sequer respirou: “Claro, estou livre! Vamos lá!”

Entramos os quatro no cartório, retirei a senha, que resultaria numa espera de quase meia hora. O cartório fica cheio na hora do almoço, pela obviedade não prevista de que muitos usam a hora do almoço para resolver seus problemas burocráticos.

Enquanto eu escrevia o texto que sacramentava a união, Beth, Celi e Mariza trocavam figurinhas. Aí começaram as afinidades. Beth e Mariza eram assistentes sociais, de formação e profissão. Ambas trabalhavam na prefeitura. Ambas compartilhavam de problemas similares no trabalho. Beth já tinha passado pelo setor de Saúde. Mariza se aposentara na área. E outra coincidência: Mariza também tinha firma aberta naquele cartório.

Depois de destrinchar a burocracia, a funcionária nos chamou. Firma reconhecida. Assinaturas válidas. Testemunhas de acordo. União estável oficializada. Agradecemos às duas testemunhas. Não haveria festa. Beth e Celi precisavam retornar ao trabalho. Mariza se despediu e seguiu para outra direção. Tinha supermercado. Eu voltei a pé para casa para trabalhar. Daria aula mais tarde.

Nas poucas vezes que nos encontramos, só chamei Mariza de testemunha uma única ocasião. Ela é, antes de mais nada, mãe de um grande amigo. Sinto-me com vergonha em exagerar na brincadeira. Ainda mais na frente de outras testemunhas.

Eu e Beth só fomos trocar alianças um ano e meio depois, num café em Londres. Surpresa minha. Lágrimas dela. Desta vez, quem estava perto não nos conhecia e não precisava assinar papel algum. Mesmo que tivessem, estavam distraídos à espera da próxima sessão de cinema e sequer nos ouviram. E olha que o pedido foi feito em inglês.

Não somos, por enquanto, mais sócios do Sesc. O processo de renovação cozinha, há mais de três meses, na prefeitura.

Obs.: Texto publicado no blog da Global Editora, em 22 de novembro de 2016.

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