Meus traços são vulgares



Marcus Vinicius Batista

Sou um traço de comportamento. A cada síndrome, transtorno ou doença, posso me identificar. A cada nova pílula de milagre colorido a brilhar no balcão, evito me drogar dentro da lei e das expectativas alheias.

A cada diagnóstico de novo nome, escapo pela porta da normalidade.

Estar cansado me livra do stress. Quando desconcentrado, driblo o Transtorno de Déficit de Atenção. A desorganização cotidiana não me apresenta a Hiperatividade.

A melancolia de uma frustração ou ausência não me impõe um protocolo Depressivo. Os medos há que se temer, e não transformá-los em fobias.

Se a vida me dá euforia após um passado recente de derrota, adio a visita da Bipolaridade. Diante de preocupações que se repetem porque a rotina se faz presente, não consigo reconhecer a chegada do Neurótico.

Se me sinto seguro com os rituais que nos desenham filhos da cultura, sou incapaz de cruzar com as manias. Quando ouço minha imaginação e dialogo com minha criatividade, concedo férias permanentes para a Esquizofrenia.

Se espero por algo ou alguém, dou voz à paciência, que não fala em crise de Ansiedade, trabalha com expectativas.

Na encruzilhada que deixa de ser horizonte e se monta em pé à minha frente, adormeço o Pânico pelo caminhar que anestesia quaisquer paralisias.

Se vasculho a memória para metamorfosear informação em conhecimento, dispenso Aspenger e suspendo o recrutamento do Autismo.

Quando a mesma memória se torna volúvel, embaça, vai e talvez demore a voltar, esqueço todos os rastros fotográficos do médico alemão e seu Mal descoberto.

Cultivo meus traços, que se respeitam, mas evitam se confraternizar como quadro clínico.

Traços não flertam com pílulas. Traços nos estigmatizam como normais, tão vulgares quanto únicos.

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