"Do you speak English?" (Crônicas além do quintal n.5)

Praia em Viña del Mar, no Chile

Marcus Vinicius Batista

Depois de conhecer o Relógio das Flores e testemunhar o pôr do sol em Viña del Mar à frente do Oceano Pacífico, escolhemos caminhar para conhecer melhor a cidade, antes de retornar à Santiago. Andamos por cerca de uma hora, com direito a três paradas para pedidos de informação, preocupados com a chance de perdermos o ônibus.

Nós havíamos dispensado os pacotes da agências. Eles eram 10 mil pesos chilenos mais caros do que comprar a passagem direto no guichê. Para piorar, o tour envolvia dez endereços, em duas cidades diferentes, em seis horas. Só na casa do poeta Pablo Neruda, em Valparaíso, ficamos três horas, entre fila e visita.

Chegamos na rodoviária de Viña del Mar ao anoitecer. Eu, Bel e Catarina fomos a três guichês de empresas de ônibus. Três preços diferentes, três horários distintos. Escolhemos o horário de embarque mais próximo, com uma média de preço razoável. O ônibus saia em menos de dez minutos. O mais barato implicava esperar duas horas e meia.

Quando localizamos o ônibus na plataforma, fomos recebidos por um sujeito de aproximadamente 50 anos, terno um número acima e uma gravata colorida. Ele recolheu as passagens e ressuscitou minha mania de comparar pessoas comuns com gente famosa. 

Rodoviária de Viña del Mar
O sujeito era o irmão gêmeo chileno de Ribamar, o personagem de Tom Cavalcante, do seriado Sai de Baixo. Não era só o rosto. A semelhança incluía os trejeitos, a forma de andar e a postura tão engraçada quanto desengonçada.

Não trocamos palavras. Apenas entregamos os bilhetes, entramos no ônibus e procuramos nossos assentos, lá no fundo. Eu e Bel de um lado, Catarina do outro, no corredor. Nosso silêncio inicial seria, muito provável, a senha para que Ribamar nos tratasse como estrangeiros, mas não brasileiros.

Logo que a viagem começou, Ribamar passou por nós e sorriu. Ele abriu um compartimento no fundo do ônibus e retirou uma caixa com chocolates e balas, mais garrafas d'água. Era um homem multitarefas. Além dos bilhetes, ele nos acompanharia na viagem como uma espécie de copiloto e vendedor.

Ele nos ofereceu os produtos e agradecemos quase como um jogral: "Gracias". Pela primeira vez, Ribamar olhou para Catarina e perguntou, em tom arrastado: "Do you speaaaak Englishhhhh?"

Como prestávamos atenção nele, ficamos em silêncio outra vez. Soma-se a resposta da Catarina - Yes! -, e então deduzimos que Ribamar jurava estar ao lado de turistas norte-americanos. Tinha que ser esta hipótese. O que poderia ser? Uma espécie de cantada poliglota? Assim, mantinha a simpatia que caracterizava o sorriso com espaços dentários.

Seguimos a viagem de duas horas por um trajeto diferente da ida. Confesso que fiquei preocupado. Pouco dinheiro comigo, muita desinformação sobre onde estávamos. E, diferente da ida, o ônibus fez paradas a mais, o famoso pinga-pinga.

De vez em quando, Ribamar atravessava o corredor, sorria para nós e repetia para Catarina: "Do you speaaak English?" Eu e Bel segurávamos o riso, mais pela Catarina do que pelo amável sósia do porteiro-personagem.

Perto da penúltima parada, o ônibus sacolejou e Ribamar, ao repetir a pergunta, disparou algumas gotas de saliva que voaram direto para a roupa dela. Enquanto ele virava as costas e caminhava para a frente do veículo, Catarina se limpava, reclamava ("Ele cuspiu em mim!"), eu e Bel ríamos.

Já em Santiago, ele fez uma última tentativa. Ofereceu doces e água e, desta vez, olhou para mim e recitou a pergunta. Como falso turista norte-americano, respondi que sim ao domínio do idioma e agradeci em espanhol pela comida e bebida.

Na chegada, esperamos que o ônibus esvaziasse, já que havia famílias com crianças, recolhemos casacos e bolsas e descemos. Ribamar esperava na porta, sorriu novamente para nós e mudou o repertório.

Quatro palavras simples, que atendemos com reciprocidade. "Good night. Thank you."


Comentários