Papai sempre tem razão



Marcus Vinicius Batista

Seu Otávio anda meio ressabiado com o casamento do filho mais novo. O sujeito acabou de ter uma filha, um mês atrás, e o convidou para ir à Santo André conhecer a neta. Seu Otávio, de 69 anos, traços e sotaque ainda forte da Paraíba, tirou folga do táxi e subiu a serra. Quando já estava na cidade, recebeu um telefonema do filho cancelando a visita.

"Assim, em cima da hora? Com a desculpa de que a nenê não dormiu e não deixou os pais dormirem? Aí tem. Essa história de casamento ..."
Seu Otávio tem outro filho. Foram dois relacionamentos longos, que geraram herdeiros de mães diferentes. No primeiro, casamento de papel passado, terno e véu e grinalda para a noiva. Dali, nasceu um rapaz, que mora no interior de São Paulo. A mãe dele morreu quando o menino tinha 13 anos.

A viuvez fez com que Seu Otávio desistisse de se casar novamente. A aposentadoria precoce, como motorista de ambulância, reforçou sua convicção de vida solitária. Seu Otávio atendia a um chamado quando houve um tiroteio. Ele foi baleado na mão esquerda e depois nas costas. Foram 75 dias internado em um hospital da Capital, "entre a vida e a morte", como adora repetir.

A aposentadoria o levou para a praça. De motorista de ambulância a motorista de táxi. Depois de seis anos de taxímetro rodando e levando milhares de pessoas, ele reconsiderou a ideia de nunca mais se casar.

Ele conheceu uma moça numa corrida. Dali, um namoro. Depois, uma gravidez inesperada. E a vontade de juntar os trapos. "Fiz a proposta para ela: precisamos acertar tudo para não pisar na bola com seus pais. Vamos nos casar!"
A moça respondeu de imediato: "Casar? Não, casar é para trouxas!"

Seu Otávio recorre a seu pai pela primeira vez. "Papai sempre me dizia que Deus nos manda recado com sutileza. Nunca é direto. Ele me mandou um recado. Não casei, terminamos e não virei corno."

O taxista é um homem fiel. Fiel à Deus, mas também às tradições do macho e dos ensinamentos do pai. Depois de pensar um pouco sobre o segundo relacionamento que o levou a execrar o matrimônio, ele voltou ao filósofo paterno para explicar o amor e as traições.

"Pensando melhor, papai dizia que a mulher nunca trai o homem. Ela aprende com o outro para ensinar o marido depois. E ele me disse mais: o homem também não trai. O homem faz caridade."
Seu Otávio optou por seguir sozinho. Três anos atrás, a conversa foi outra. Ele chegou a me dizer que procurava uma nova esposa, cansado de chegar em casa e testemunhar o apartamento vazio, entediado por jantar fora, sem companhia, durante o expediente. Disse, depois, que era uma fase, uma carência que passou.

Hoje, Seu Otávio remói lembranças porque está chateado com o filho. O taxista, cheio de orgulho, recusou o convite para voltar a Santo André e espera que filho, esposa e neta desçam para o litoral, até porque a mãe dela mora em Santos.

"Sinceramente, eu não entendo. Só queria ver, só ver minha neta. Bom, é como meu pai me ensinou: 'O destino existe para nos levar à felicidade, mas de vez em quando deixamos a felicidade de lado para driblar o destino."

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