Os gatos e os sinais (Conversas com Beth # 7)


Na ponta do sofá-cama (na visão dele)

Marcus Vinicius Batista

Quando o vi pela terceira madrugada seguida no mesmo lugar, percebi que era a hora de tocar no assunto com você. Ele me entregava de bandeja mais um sinal de que sente a sua falta. Felino resolveu dormir entre a segunda e a terceira almofada do sofá da sala, exatamente no lugar onde você se senta todos os dias, seja para ler, seja para ver TV ou apenas para conversarmos ou comermos juntos.

Confesso que não assino embaixo na sua crença, mas sei juntar as peças, ainda mais de tanto ouvir sobre os poderes dos gatos. Até a revista Superinteressante que te dei no mês passado serviu para você tentar me convencer – a título de prova “científica” - da capacidade extra-sensorial deles. Mais um argumento que se soma à história (Egito Antigo) e à espiritualidade (the cats see dead people).

O primeiro sinal veio na primeira noite pós-internação. Felino dormiu no seu lado da cama, mesmo comigo deitado lá. Não dei tanta atenção assim, fora o fato que ele foi o companheiro perfeito, até porque as crianças não haviam chegado em Santos. Precisava de silêncio e ele, com a coerência dos gatos, o fez.

Ele repetiu o local umas três noites, mesmo tendo Vini e Mari como novos hóspedes da cama de casal. Eu me mudei para a cama de solteiro do escritório, que me permite trabalhar, ler ou escrever durante a madrugada, como agora.

Não prestei tanta atenção nele nos dias seguintes. As crianças são o centro do palco, claro, aqui dentro de casa. E você, o pensamento constante mais as visitas ao hospital. Magriça, a gata visitante-temporário-definitiva, adotou o Vini como dono. E ele a intitulou “meu bichinho de estimação”. Aproveitei também para ensiná-lo a cuidar dos gatos, como dar comida e água, guardar a ração. Interação, respeito com os bichos e um ponto a menos para solucionar. Mantenho para mim a função ingrata da caixa de areia e suas heranças biológicas.

Por falar nisso, o gato é acusado – inclusive corroborando teoria sua – de parir um rastro no nosso quarto. 50 por cento de chance, mas o cocô foi interpretado como o segundo sinal, tese reforçada porque parte da merda estava sobre seu chinelo. As havaianas já passaram por banho de desinfetante, processo de desintoxicação e lavagem com água sanitária. Quebrei, claro, os recordes de prova de amor e outros sentimentos correlatos.

Anteontem, veio o que julgo ser o terceiro comunicado. Os miados mais altos na cozinha, em outros momentos, significariam fome. Olhei para as tigelas, ambas cheias. Poderia ser água? Me senti como aquele que tenta ler o simbolismo do choro do bebê (essa fase já deveria ter passado!). E você sabe que, para mim, bicho não é filho!

Entrei na área de serviço, pois poderia ser a caixa de areia. O amiguinho queria ir ao banheiro. Caixa limpa. O pensamento seguinte foi que ele poderia estar pedindo um prato especial de jantar. Dois dias antes, eu tinha esquentado o atum de envelope e colocado no prato. Magriça, gata de rua é sempre mais esperta que gato leite-com-pêra, comeu tudo.

Fiz a vontade do Felino (para os desavisados, a letra maiúscula confirma: este é o nome dele! Optei pelo óbvio). Esquentei o atum e coloquei no lugar de sempre. Ele cheirou, voltou para a cozinha e tornou a miar. Num sinal de loucura em curso, perguntei o que era. Outro miado, minha lucidez de volta. Não aguentei a chatice, fui para a sala, peguei um romance na mesa e me sentei no sofá, no meu lado de sempre.

Felino veio atrás, se esfregou na minha perna, olhou para mim, miou, subiu no sofá, encostou a cabeça sobre a minha coxa e se deitou. Inédito. Li algumas páginas com ele ali, dormindo exatamente no lugar descrito no primeiro parágrafo.

No dia seguinte, romance novo, enredo repetido. Rigorosamente igual, com a diferença de que não tateie hipóteses desta vez. Fui direto ao meu posto de escada para o ator principal.

O quarto sinal acontece neste instante em que escrevo. Ele dorme à sua espera, espero!

Este gato mudou minha relação com animais de estimação, especialmente ... os gatos. Quando chegou a dois anos, era o filhote que morria de medo da imitação de dinossauro do Vini. Hoje, é o Vini quem corre dele e ele, atrás da Magriça.

Como você sabe, sou adepto do benefício da dúvida. Lembre-se de que, dois dias antes de você ser internada, ele dormiu sobre as minhas costas, bem no ponto onde o músculo estava lesionado. A dor passou! Na noite anterior, Magriça dormiu sobre sua barriga. Ontem, ela se deitou sobre a minha barriga, incomodada com a má digestão, por conta do sono irregular e do cansaço.

Em tempos de sensibilidade fragilizada, gatos e crianças salvam o nosso dia pelas mínimas coisas e atitudes. Mas só te peço um favor: volte logo para casa. Não aguento mais limpar a caixa de areia. São dois, agora.


Comentários