Calcinhas de velha (Conversas com Beth # 5)


Marcus Vinicius Batista

Depois de um dia de armadilhas da burocracia hospitalar e resolução de problemas de outras naturezas, sai da casa do meu sogro e da minha sogra com a última missão do dia: comprar calcinhas. Eu e meus filhos, Mariana e Vinicius, entramos na única porta aberta depois das 22 horas. A tarefa era importante demais para adiar para amanhã.

O supermercado Carrefour não era a fina flor das lingeries, mas teria certamente peças que contornassem minha falha. E me pouparia pensar também no café da manhã minutos antes dele acontecer.

Você havia me pedido pilhas palito, lenços, blusas e calcinhas para te entregar durante a visita da noite. Na pressa, peguei dois shorts e me esqueci das calcinhas. Achei complicada a sugestão de que eu passaria na casa da Priscilla para apanhar as calcinhas que ela havia comprado para você. Não sabemos a que horas será realizada a biópsia, amanhã, e seria fora de mão ir à casa da sua irmã antes do hospital.

O Carrefour era a resposta rápida e única para a missão íntima. Sabia que, por conta do inchaço provocado pela medicação, pelo rins em recuperação e pelo tempo de hospital, teria que comprar calcinhas mais largas, de número maior.

Além disso, a UTI é um endereço onde prevalecem a moral e os bons costumes. Nada das peças que apimentam casamento ou as que são coerentes com uma mulher linda como você. Seu bom gosto nesta área é de altíssimo nível. Você não merece uma roupa que talvez, talvez coubesse em ti em 2060.

Mandei um torpedo para confirmar a missão em andamento. Você me disse que não precisava. Pensei, na hora, que mulheres costumam – em certas ocasiões – dizer algo que significa justamente o contrário. Tinha que comprar as calcinhas. Entregar a mercadoria, não importa o aspecto visual ou a metragem dela. Mas não imaginava que, naquela ponderação sua, houvesse nas entrelinhas uma premonição, uma clarividência ou uma mandinga contra as calcinhas de velha.

Concordávamos em um ponto: as calcinhas eram “de velha”. Aquelas peças íntimas que condizem com atrizes americanas de biquíni em seriados dos anos 80. Aquelas calcinhas de cor branca, bege ou preta, jamais vermelhas e com rendas. As lingeries de velha são a contradição do que Fernando Gabeira definiu como biquíni. Como mostrar tudo e esconder o essencial se o tudo a que ele se refere não só foi encoberto e lacrado como se transformou na bermuda do Nerso da Capetinga?

O primeiro sinal de que eu estava em terreno perigoso foi a dificuldade em localizar a seção de roupas íntimas femininas. Seus anjos protetores estava ali para me desnortear, para desviar para os doces, as bebidas alcoólicas ou até os produtos de limpeza.

Mari, talvez por experiência, descobriu o local. Lá, comecei a procura, com certos critérios, não exatamente nessa ordem de importância: 1) preço (quanto vale uma calcinha?); 2) tamanho (tinha que ser um número acima); 3) cor (perto do seu tom e menos próximo dos 50 tons). A união dos fatores me permitiria comprar um presente que daria para minha avô, mas sem o constrangimento de gerar inveja na minha bisavô.

Depois de uns cinco minutos e sugestões dos meus filhos, cheguei a duas calcinhas compatíveis com o ambiente hospitalar. E que seriam incineradas assim que você tivesse alta e chegasse em casa. Calcinha não se doa e me recuso a afligir alguém com crueldade estética.

Ao colocar as calcinhas no carrinho do supermercado, olhei para minha filha e vi o ar de reprovação dela. Senti que comprava peças do Brasil Império. Tirei as peças do carrinho e troquei por duas tão balzaquianas quanto as anteriores, mas com jeito de século 20, pelo menos.

Penduramos as calcinhas no braço do carrinho para evitar que sujassem. Besteira porque seriam lavadas antes da entrega à você, nossa paciente. Fizemos o restante das compras, pagamos, embalamos tudo e seguimos para casa.

Na cozinha, em casa, descarregamos tudo, abrimos e fechamos geladeira e armários. No final, olhei para Mariana e perguntei: “filha, cadê as calcinhas?”

“Pai, você não tirou do carrinho?”

“Ih, filha, ficou no braço do carrinho!”

Seu santo é forte até daí, do hospital. Antes de te visitar nesta sexta, vou à casa da sua irmã. Nestas horas, só consultando uma especialista e seguindo as orientações espirituais.

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