O aniversário


Gabriel Ferreira

Acordo cedo. Meu cabelo desgrenhado, meus olhos remelentos e aquele bafo matinal. Era domingo. Minha mãe entrou em meu quarto aos gritos, preocupada com o horário, com o medo de se atrasar e causar má impressão. Pulei da cama tirando as roupas amassadas e correndo em disparada ao banheiro.

Tomei meu banho de gato, escovei meus dentes e penteei meu cabelo, tudo em menos de dez minutos. Volto ao meu quarto e sobre a cama está uma roupa muito bem passada. Visto-a sem reclamar, mesmo odiando aquelas peças. Com meu pai gritando na rua, calço meu All Star preto apressadamente. Acabei trocando os pés. No caminho do carro, senti umas pedrinhas desconfortáveis dentro do tênis.

O percurso durou quase uma hora e não foi agradável. Meus pais não pararam de brigar e falar mal de umas pessoas cujos nomes eram familiares, literalmente. Após a cansativa viagem, parece que finalmente chegamos. Meu pai estacionou em frente a uma casa de portão branco e muros cor de laranja. Uma casa aparentemente boa, ao contrário da rua.

O local parecia estar morto, tive a impressão que não passava uma alma ali há séculos. As ruas esburacadas e as calçadas quebradas, com pedaços de grama perdidos por todos os lados. Toquei a campainha e uma voz feminina perguntou meu nome; então, respondi da maneira mais casual que consegui: “é o Vinicius, ué!''

A voz feminina em resposta disse que logo viria ao meu encontro. Ao abrir a porta, uma legião de mulheres de meia idade e pais de família veio me cumprimentar e dizer coisas que eu estranhei um pouco. Todos falavam as mesmas coisas: ''Como você cresceu, hein?”, ''Olha como ele já está grande!'', ''Ele já um moço'' e ''Daqui a pouco já está namorando''. Eles devem ser loucos, mal completei seis anos e já estão dizendo que estou grande?

Entrei na casa e passei rapidamente pelos cômodos, sala de estar, corredor, cozinha e, finalmente, a porta para o quintal dos fundos. Certamente não era uma das minhas paisagens prediletas, por algum motivo me lembrou o interior de uma indústria, mesmo nunca tendo entrado em uma.

As paredes pintadas de cinza, o piso de ardósia, as cadeiras de madeiras e sem falar no céu nublado para concluir o sentimento de melancolia. Os adultos bebiam cerveja e comiam churrasco em meio a histórias de pescador (grande parte dos meus parentes trabalham em barcos). A maior parte das mulheres via TV ou vendia roupas e sapatos dentro da casa. As crianças e os idosos, na piscina, e é claro que foi lá onde passei quase o dia inteiro, brincando com bola ou os famosos macarrões de piscina.

No final do dia, quase ao anoitecer, as pessoas se reuniram em volta de uma mesa para cantar os parabéns, era o aniversário da minha tia, eu acho. O bolo era muito ruim, tinha uns pedaços de abacaxi e outras frutas que não sei dizer o nome. Eu estava muito cansado e cochilei em um dos quartos de visita.

Acordei algumas horas depois na cama de minha casa como se fosse mágica. Perguntei aos meus pais o que havia ocorrido, responderam-me que até tentaram me acordar, mas eu estava realmente exausto.

Hoje, embora eu ainda seja muito jovem, sinto saudade e recordo com gosto da infância. Fico matutando se isso não ocorre justamente por ser criança, em que tudo é uma descoberta, uma nova aventura. Tenho certeza de que atualmente eu reclamaria muito de ir numa festa de aniversário da minha tia, ainda mais sem conhecer ninguém e é muito provável que eu nem compareceria.

Com o tempo, a maioria de nós perde o prazer das pequenas coisas, criança só quer se divertir e tenta fazer com que isso ocorra em qualquer momento.

Obs.: 1º texto a partir do curso "Como escrever crônicas", ministrado em maio na Universidade Católica de Santos. 


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