O homem-pantufa




Maykon Souza

Ela disse para eu não tirar a barba. Falou que estava bonito. Estranhei. Ela percebeu.

— Sério. Deixa, insistiu.

— Mas, você odeia...

— Odiava.

Ela não é dessas que muda de opinião tão facilmente. Ainda mais em um assunto como esse, quase um tabu. Não tenho barba, mas pentelhos faciais, como dizem alguns amigos, que já me viram abandonar de vez a gilete para ver se ganhava um ar mais machão.

Doce ilusão. Fios finos, desordenados, que me deixam mais parecido com um hesitante e tímido adolescente do que com um charmoso e másculo homem barbado. Mais para um virgem dos anos 90 do que para um macho alpha da novela das oito...

Já passei a gilete todo dia na esperança de ver um pelo cada vez mais espesso e escuro tomar o rosto. Disseram que cresceria rápido, uma barba bonita, cheia. Esfolei o rosto e, óbvio, nada de barba.

É fácil imaginar que, desde sempre, ela rejeitou meu visual Justin Bieber metido a rebelde. Traço toda essa anatomia da minha barba – ou da minha não-barba – para dizer que é muito estranho que ela, agora, de uma hora pra outra, diga que prefere que eu não tire esses pelinhos da cara.

— Tô começando a gostar dela.

— Assim, do nada?

— Não é do nada... ela foi me conquistando.

— Fala sério.

— É que quando ela tá crescendo, me espeta. Quando já tá grande, não. Se você fizer, vai crescer de novo e vai me incomodar. Se não fizer, não vai me incomodar.

Prática e objetiva. Didática até. Então, esse era o segredo. O lance era a comodidade. Ela tinha largado mão de ter um marido bem apessoado. Desejava mesmo o fim do espetar constante de uma barba sempre porvir. Do jeito que estava era feio, mas gostosinho.

Crise existencial! Das brabas.

Estaria eu virando uma espécie de homem-pantufa, bom para ficar em casa, confortável, gostosinho, mas que poucas pessoas têm coragem de convidar para sair na rua?

Pior: estaria ela topando sair de pantufas na rua, de vez em quando, em nome da comodidade? Em nome de nada lhe espetar as bochechas no meio de um beijo de boa noite?

Estaria na hora de colocar as barbas de molho e me acostumar também com a ideia de que, com o casamento, o relacionamento entrou no estágio do “é feio, mas é meu. E, pelo menos, não me espeta!”?

Se houvesse um índice capaz de medir o nível de pantufalização de um casamento, certamente a barba por fazer – especialmente quando não há barba de macho alpha, mas pentelhos a la Macaulain Culkin – está entre as infrações que mais somam pontos. Ao lado da calcinha bege confortável e da samba-canção sem elástico.

Corro para o banheiro: não à pantufalização!

Amor, por você, faço a barba todo dia. Assim, ela nunca estará por fazer. Não estando por fazer, não te espetará. Não te espetando, viveremos felizes para sempre! Gilete, espuma para barbear e lá vou eu: a primeira faz tchã, a segunda faz tchum e a terceira... machuca, arranha.

Amor, por você, faria a barba sempre que você pedisse. Mais sensato assim. Paro, olho para o espelho. No todo, até que a coisa não é tão feia. Mas, não sou quem decide isso.

— Amor, você acha que tá legal mesmo? - grito para o quarto, sem tirar os olhos do espelho.

Os fios estão mais revoltosos, prestes a liderar uma rebelião bem no meio da minha cara. O bando que ataca pela bochecha direita é mais volumoso. O outro, mais esparso, com alguns soldados ruivos avançando descoordenadamente na direção do nariz.

— Claro, amor, prefiro assim, grita ela lá de dentro, já meio sonolenta. “Tá bonito até”.

Assim, um homem-pantufa feliz enxagua o rosto, mete um sorriso satisfeito na cara e pula na cama, pronto para um suave beijo de boa noite!

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