O beijo (Primeiro Sexo #2)


Foto da Life Magazine, pós-Segunda
Guerra, um clássico
Paula Vinhedo

Sempre me assustei com algumas frases que ouço em salões de beleza. Primeiro, me recuso a chamar de clínica de estética e outras nomenclaturas de dondocas. Segundo, ainda me choco com pérolas românticas como: “por que tenho que beijar meu marido na boca quando transamos?” “Por que devo beijá-lo de língua se a paixão terminou?”

Os diálogos seguem com consultorias de banheiro, tagarelices cosméticas dignas das revistas que consumimos enquanto esperamos a próxima etapa do banho e tosa. Muitas de nós adoram receitas de conquistas, fórmulas para o beijo fatal e o sexo arrebatador. Nessas horas, prefiro não gastar meu dinheiro em clínica sentimental, só estou ali para melhorar a aparência.

Passo, às vezes, dois, três dias sem beijar meu marido na boca. Beijo de língua, quero dizer. Selinhos, são vários por dia, em situações triviais, chegadas, despedidas, de boa noite, de bom dia, cruzamentos no corredor, elogios, boas e más notícias. Beijo, para nós, é uma expressão cotidiana de afeto e de cumplicidade.

O beijo não precisa ser caliente. Deve atender à ocasião, deve nascer sem pedido do outro, com a espontaneidade do carinho de quem acolhe ou divide um fato, compartilha uma experiência. Vale até quando gritamos por atenção. Reduz a velocidade do outro, que tanto o aproxima da fadiga ou do stress. O beijo é a carta que referenda que estamos juntos, existimos porque ele e eu vivemos mais um dia, com o outro e conosco.

Sinto falta do beijo de língua. Faz mal à nossa saúde ficarmos sem ele. Isso não significa que o desejo diminuiu, a vontade acabou, o amor corre risco. A ausência de beijo de língua é a marca indelével de que precisamos fechar para balanço. Por segundos. Os dias andam corridos, as conversas entrecortadas pela solução de problemas, os carinhos são afagos de pequenas vitórias.

O beijo de língua não é, ao contrário das queixas das moçoilas do salão, um ritual pré-sexo. O sexo brota por outros motivos não combinados e resultam em um gôzo além da obrigação do prazer próprio. Sexo brota, não é item de agenda nem pauta de reunião corporativa. E há sexo bom sem beijo e ruim com muito beijo. Por aí, é claro, jamais em casa!

Eu e meu marido combinamos de, diariamente, nos beijarmos de língua. O tempo se encarregou de me mostrar que a estupidez vive em nós. Sempre à espera de uma ideia de jerico. Por dádiva divina, não deu certo. A proposta – confesso que partiu de mim – foi demolida no segundo dia. O ritmo de trabalho agiu como o mistério da fé.

Beijo não é matemática nem artigo de manual de etiqueta conjugal. Nós nos beijamos sem perceber que o fazemos. Não existe medidor de quantidade ou balança que estabelece a “gordura” do beijo. Assim o vivenciamos. Assim nos respeitamos. Assim o repetimos quando os olhos suplicam pelo toque seguinte.

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