De peito aberto


Érika Rodriguez

Aos 42, Maria já não tinha ilusões sobre a vida amorosa. Não por sua aparência, já que mantinha o corpo esguio e o rosto com o viço da juventude, mas pelo desastre sentimental, que incluía alguns namoros e um longo noivado, que durou 12 anos e terminou com uma dolorosa traição por parte do noivo.

Sem nenhum trauma, ela ainda morava com os pais, levava uma pacata vida de professora de inglês e tinha nos romances e filmes açucarados a cura para os raros momentos de solidão. Era segunda-feira e ela enfrentava a fila na agência bancária lendo um de seus livros, quando sentiu a mão em seu ombro. Virou-se para trás e deu de cara com Pedro, um namoradinho da época de escola que não via há 25 anos.

Um pouco constrangidos, os dois se abraçaram e resumiram em algumas frases os caminhos que haviam trilhado até então. Depois de se formar no colegial, Pedro se mudou para os Estados Unidos, de onde voltara há pouco mais de um mês. Continuava solteiro. “Como está bonito!”, pensou ela, com o coração acelerado.

— Para você, os anos não passam! -, arriscou ele.

Eles resolveram marcar um encontro para matar as saudades e contar os detalhes de uma vida inteira separados. Escolheram uma tradicional cantina da cidade, onde o nhoque à carbonara era a especialidade da casa.

Ansiosa, Maria chegou ao restaurante antes do horário e escolheu uma mesa próxima à varanda envidraçada. Como estava adiantada, ela decidiu ir ao banheiro retocar o batom, pois queria causar boa impressão.

Ao se olhar no espelho, achou o vestido tubinho preto, de mangas longas de chifon e laçarotes do mesmo tecido na gola, um tanto antiquado. “Estou parecendo uma velha, meu Deus!”

Num ato instintivo, Maria arrancou as mangas e a gola e só então percebeu que, sem eles, as alças de seu sutiã cor-de-rosa ficavam à mostra. Sem pensar duas vezes, Maria entrou no reservado e tirou a peça íntima, em noite de estreia. A imagem que viu no espelho lhe agradou, o colo bonito valorizou o decote, sem mostrar demais os seios.

Ela pensou em guardar o sutiã na bolsa, mas o celular vibrou com a mensagem de Pedro, que chegou ao restaurante.

— Uau, você está linda!

A conversa de velhos amigos virou jantar romântico quando Pedro segurou a mão de Maria. E o encontro terminou na casa do rapaz, onde ela despertou no dia seguinte com a sensação de que estava se esquecendo de alguma coisa. Contou a ele o que aconteceu, e os dois se acabaram de tanto rir, imaginando a cara de quem encontrasse o inusitado objeto.

— Será que alguém sabe quem é a dona?

— Claro que não! Vamos deixar o causo para a galeria dos mistérios sem solução da cantina!

Maria e Pedro continuam a frequentar o local, pedem sempre o mesmo nhoque e guardam, no peito, as lembranças do primeiro jantar.

Obs.: Este conto foi baseado em fatos reais. É o primeiro texto a partir do curso de Escrita Criativa, realizado em Santos. 

Comentários

Erika Rodriguez disse…
Obrigada pela oportunidade, Marcus e Beth!
Gostei muito da experiência. Podem ter certeza que uma sementinha foi plantada no meu coração de jornalista saudosa da profissão. Beijos
Zara Andrade disse…
Adorei espero que não pare por ai. Adoraria ler seus contos .
Unknown disse…
Emocionada... você tem talento amiga.. amei... persevere para nos presentear mais e mais...bju