Ciclovia, terra dos fogões e proibida para menores


A bicicleta na imaginação do menino
Ted Sartori*

Ainda bem que não existiam ciclovias em Santos quando meu pai me levou, aos seis anos, para aprender a andar de bicicleta. Era uma BMX tipo cross, com a placa de número 54 na frente e as essenciais duas rodinhas auxiliares para o equilíbrio. Recorria-se às ruas pouco movimentadas para isso. E assim foi comigo, bem perto de casa e na companhia dele.

Não, eu não estou louco em preterir a ciclovia. Trata-se apenas de perceber que é um reduto para iniciados, tão ou mais selvagem do que as ruas. É uma frenética e insana busca por espaço que chega a dar medo, talvez pior do que a enfrentada pelos que assumem o volante de um carro. Até porque o espaço é bem menor.

Resolver simplesmente passear por uma ciclovia é um ato de coragem para quem a observa. E um pecado para quem só pensa em correr, sonhando chegar sabe Deus onde. O espaço se transforma em um velódromo, aquele circuito circular para competições. As diferenças são a pista em linha reta e não há troféus e medalhas ao final. O grande prêmio é ultrapassar quem vier pela frente.

Definitivamente, a ciclovia não é um espaço para o bucólico, mesmo tendo a praia como cenário. Imaginem aquelas bicicletas femininas com cestinhas (nos anúncios, sempre havia flores, mas somente lá), com garotas sorridentes contemplando a passagem e quase cantando, felizes como nos filmes musicais norte-americanos dos anos 40 e 50. Impossível projetar. Tudo caiu em desuso. O negócio é ter pressa.

Hora do rush na ciclovia
O relógio conspira. Ou, pelo menos, o cronômetro instalado no braço ou na própria bicicleta. Fazer menos tempo para completar o trajeto da ciclovia é um sinal que a pessoa melhorou como atleta e piorou como pessoa. Nem consegue olhar quem está atravessando. Ou, caso perceba, é dotado daquela certeza absoluta de que o pedestre tem de vê-lo. É a lei dos mais fortes. Ou dos mais velozes.

Não sejamos injustos, no entanto, com o trabalhador que usa a bicicleta rumo à labuta diária. Aí a pressa é perdoável - e não, claro, a falta de atenção. É aquela correria para não perder a hora e, por consequência, o emprego, este artigo tão raro quanto educação na ciclovia.

E encontrar um fogão em plena ciclovia? Sim, foi o que vi em uma bicicleta quase cinco anos atrás, durante o jogo em que o Brasil acabou eliminado pela Holanda, nas quartas de final da Copa do Mundo de 2010. Não sei se o fogão chegou. Acredito que sim. Afinal, o sossego transparecia no olhar do ciclista. Tanto quanto deveria ser o ambiente de uma ciclovia.

Obs.: 5º texto da série a partir do curso "Como escrever crônicas".


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