O empurrão de Iemanjá


Marcus Vinicius Batista e Drika Lucena

O calor de Saara em plena praia de Santos foi o convite para sair de casa. Paula Macedo cismou que a tarde de quarta-feira era ideal para o banho de mar. Ideal significava se enfeitar para mergulhar e conversar com Iemanjá.

Vestiu o maiô branco com listras pretas, especial para o começo de ano, momento de desapego e de limpeza espiritual. Sentia-se linda. Mas também se sentia incompleta. Ao se olhar no espelho, a resposta estava no rosto. Passou um batom supervermelho, colocou os óculos e duas argolas douradas. Tomar banho de mar é ato exclusivo. Nada de cadeiras ou esteiras. Nada de tostar como lagarto na areia; no máximo, ficar como jacaré na água.

Quando ela chegou à praia, foi direto à beira do mar. Sentiu a água quente nos pés, abaixou-se e pegou algumas conchas. É um ritual, que inclui guardá-las em casa. Desta vez, as conchas serviriam para compor uma tiara. Paula era conhecida entre os amigos como alguém que fazia mágica com adereços. “Por que nunca trabalhou em escola de samba?”, insistia uma prima.

A tiara seria parecida com as que a cantora Clara Nunes usava. Paula estava acompanhada de um amigo e com ele deixou os chinelos, as chaves de casa e as conchas. Comentou com ele que não gostava do mar daquele jeito, puxando, mexido, com muita marola.

Quando chegou no fundo, olhou para ver se não tinha ninguém por perto, segurou os óculos na mão e se jogou. Um mergulho de cabeça sem piedade do cabelo com escova e chapinha. Sabe quando o mar está quente em cima e geladinho embaixo?

Voltou à superfície e passou a mão no cabelo para arrumá-lo. Deu falta de uma das argolas. Era a hora do desapego. Viu quando a argola afundou. Inutilmente, passou a mão na água tentando salvá-la. Não sobrou nem a tarraxa.

Na hora, Iemanjá veio à cabeça. Paula falou sozinha: "Sua graciosa... cansada de ganhar tanta biju da Kavernosa resolveu levar meu brinco lindo e fashion?" Riu enquanto tirava o outro brinco. Deu um beijo na argola e o atirou para o fundo. Pensou: “A argola vai ficar linda no meio daquele cabelão preto de Iemanjá”.

A doação a deixou feliz da vida. Mergulhou várias vezes. Esqueceu dos brincos, esvaziou a mente. Quando estava saindo do mar, não viu uma onda. Sentiu-a como se fosse um empurrão, balançou, mas se manteve de pé.

Paula se virou para o mar e falou sozinha de novo. “Tô saindo, caramba! Te dou um brinco e ainda me empurra?” Ao chegar na beira, o amigo deu falta e perguntou pelos brincos. Ela respondeu: "Iemanjá gostou e pegou um... daí dei o outro para ela fazer o par."

De espírito lavado, mais leve nas orelhas e livre provisoriamente do calor, ela voltou para casa com uma certeza e uma dúvida. O certo é que, na semana que vem, Paula ganhará de si mesma uma tiara, em homenagem à Clara Nunes.

Mas quanto custaram mesmo aqueles brincos?

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