A placa desbotada


Marcus Vinicius Batista

Quando eles me contaram, parecia uma daquelas histórias exageradas de final de ano. Mas as versões de Paulo e Renata batiam. Episódio por episódio. E haviam tido as ideias juntos. Mas só tive certeza quando pisei no calçadão da Ponta da Praia. A placa estava ali, presa com perfeição na parte dianteira do carro que me daria carona. Estava ali desbotada, com uma mancha roxa e outra esverdeada sobre o cinza claro.

Paulo e Renata tinham voltado de uma viagem do interior pouco antes do Natal. Enfrentaram chuva forte. Dois dias depois, no dia 24, eles resolveram comprar as últimas lembrancinhas no Supercentro Comercial do Boqueirão. Renata está grávida de seis meses. Paulo tem as expressões do pai do ano.

Na saída, os dois conversavam sobre os preparativos para uma nova viagem, quando um senhor chamou a atenção deles: “Olha, a placa dianteira do seu carro sumiu!”

Paulo ficou preocupado porque viajariam novamente, na sexta dia 26, para o interior de Minas Gerais. Renata o tranquilizou ao lembrar que bastava ir ao Detran e resolver a questão no mesmo dia. A viagem estava certa.

Na sexta, tanto o local que instala placas quanto o Detran emendaram o feriado. Seria loucura pegar a estrada cheia, incluindo subir a Serra do Mar via Imigrantes, sem a placa dianteira do carro. Pela Lei de Murphy, seriam parados por um guarda rodoviário logo antes do Restaurante Frango Assado. A viagem terminaria em Cubatão, com veículo apreendido, multa no bolso e pontos na carteira.

Como a ocasião faz o criativo, Paulo e Renata decidiram usar seus talentos. Renata é fotógrafa profissional. Fez duas imagens da placa traseira. A segunda, no enquadramento e na luz perfeitas. Paulo é mestre da edição em computador. As imagens se renderam a ele. Um recorte, o acerto da tonalidade e a impressão em papel tamanho A3 deu a eles uma nova placa. A plastificação fechou a embalagem.

Faltava o retoque final. Como prender a nova placa no carro, sobreviver até o sul de Minas Gerais e voltar a Santos? Silvio, um dos amigos que viajariam junto, tem uma garagem cheia de tranqueiras e restos de tudo. Ele se ofereceu: “Paulo, deve ter um pedaço de arame por lá”!”

Duas horas de buscas, entre fios elétricos, barbantes, linhas de costura e de pesca, e nada do pedaço de arame para segurar a nova placa. Paulo se enfurecia com a tradicional serenidade do amigo e a promessa de que tudo se resolveria naquela tarde, menos de duas horas para colocar o carro na estrada.

Paulo acabou desistindo e caminhou até a porta do prédio onde Silvio morava. O jeito era adiar o passeio pré-reveillon e improvisar o final de semana. Quando Paulo chegou à portaria, o amigo sumira. Esperou por cinco minutos e nada. Voltou e viu Silvio batendo papo com um senhor na porta da garagem.

“Porra, Silvio, vamos embora! Tenho que dar outro jeito!”

“Calma, Paulão, esse aqui é seu Alaor. Ele é mecânico. Ele tem um pedaço de arame lá na garagem dele.”

Paulo só conseguia sorrir. O pedaço de arame para placas dava e sobrava. Na medida para o carro e para a placa de arte contemporânea. Arame e placa formaram um casal de final de ano, rodaram pelo sul de Minas, voltaram a Santos, suportaram mais dois dias de chuva e um reveillon.

Por uma falha na plastificação, entrou água na placa, onde nasceram as duas manchas desbotadas. Como promessa de final de ano, Paulo decretou: a placa será trocada na segunda-feira. É quando a arte dará lugar a uma nova irmã, de metal e sem criatividade.

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