A espera de Marina


Beth Soares

“Estou esperando meu filho”, ela repetia. Impossível a quem visitava aquele lugar não reparar em sua expressão de atriz hollywoodiana dos anos 30. Cada centímetro de seu rosto era minuciosamente maquiado. Blush cor-de-rosa nas bochechas brancas como seus cabelos, que se derramavam, sempre de maneira ordenada, em direção à boca miúda, tingida de vermelho. Um rosto meigo e um corpo esguio, trêmulo e talhado pelo tempo. Inesquecível. 



Imagem meramente ilustrativa

Fazia pouco tempo que Marina chegara. Naquele dia estava perfumada, bem vestida. Colar de pérolas, certamente falso, mas que lhe dava um ar aristocrático. Sorria com facilidade e era possível adivinhar em seus olhos o brilho da esperança. Esperança de um dia ser lembrada pelo filho que, sabe-se lá o motivo, havia esquecido, talvez, o caminho para visitá-la.

Quem voltasse ao recanto que abrigava a espera de Marina veria em seus olhos que dia após dia o tempo carregava para longe aquele brilho dos primeiros momentos, como se acompanhasse as andanças do filho. “Ele é muito ocupado”, contemporizava. Seu amor sempre encontrava justificativas para a distração dele.

Um dia Marina despertou para o fato de que o tempo não parava de agir, mesmo contra sua vontade. Primeiro, fez seu batom vermelho perder a cor. Tudo estava em seu lugar, como todos os dias, menos o escarlate peculiar dos lábios.

Depois, o cotidiano implacável soprou de seu rosto delicado o blush cor-de-rosa. Mas as roupas alinhadas e o penteado jeitoso ainda estavam ali, assim como um resquício do fio de luz que ainda tilintava em seus olhos.

Muitas noites caíram. Em uma delas, o perfume de Marina perdeu sua fragrância. E depois das noites, muitos dias vieram. Em um deles também o colar de pérolas falsas parou de sorrir em seu pescoço.

Os enfeites que adornavam sua figura elegante, usados para atrair os olhares do filho querido e, quem sabe, fazê-lo permitir novamente a vida ao seu lado, foram sendo abandonados, um a um. E, esquecidos no canto da mesa de cabeceira, empedraram e se despedaçaram, junto às suas expectativas de retorno ao lar.

A cada semana, doía ver Marina se despindo de suas cores, de sua vaidade, da luz de seus olhos. E de suas esperanças. E como num filme antigo, as imagens saltavam aos olhos em preto e branco. Um dia, sua boca, agora sépia, parou de falar no filho atarefado. E ao parar de mencioná-lo, percebeu que nada mais que pudesse articular faria sentido. Então, o filme se tornou mudo. Porque aquele filho era a razão de continuar discorrendo. E comendo, e respirando, e esperando.

Até que a luz já débil dos olhos de Marina se apagou. Marina desistiu. Não só de esperar, mas de viver. Porque não tinha mais sentido viver sem esperança, presa numa cena tão distante de seus sonhos cansados. Não via mais sentido em recordar a vida sabendo-se esquecida em uma trama que não merecia reprise.

Apagou-se a esperança de rever o filho. Apagou-se a dor. Apagou-se, Marina. Libertou-se.

Obs.: Texto publicado originalmente no site Jornalirismo, em setembro de 2011.

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