Rubem, do telão à jabuticabeira (Contracapa # 21)

Marcus Vinicius Batista

Soube que ele estava doente há quatro dias. A notícia era cuidadosa, mas os anos de profissão te ensinam que o tom mora nas entrelinhas dos fatos. Tive aquela sensação de que a notícia seguinte seria definitiva.

Quando retornei no final da tarde, li – sem a escolha do adiamento que as redes sociais não permitem – as homenagens à morte dele. A postagem vinha de uma amiga que há dias publicava citações dele. Parecia prever o pior. 




Sujeitos importantes, ao morrerem, nos conduzem a uma reflexão imediata: o dia em que os conhecemos ou os ouvimos falar dele pela primeira vez. Com Rubem Alves, cheguei a um meio-termo. Já tinha ouvido falar dele, mas não o conheci naquela noite de 1999. Apenas o vi ... por um telão.

Era um jornalista com meia dúzia de anos de estrada. Cobria diversos assuntos numa emissora de TV, mas começava a me especializar em educação. Canalizava o dia a dia do tema para o meu trabalho, sem saber que educação me renderia um mestrado e 11 anos como professor.

Naquela noite, em 1999, eu era também um aluno de segundo ano de História. Fazia a segunda faculdade de olho em um Jornalismo melhor, sem prever que a docência me invadiria como o futuro do século que se aproximava.

Rubem Alves era um ícone da educação no país e a principal atração da Fafiana, extinta e saudosa semana acadêmica dos cursos de licenciatura da Universidade Católica de Santos. Foi um ano inesquecível, que envolveu palestra do antropólogo Roberto da Matta e outros estudiosos importantes. Todos dispostos a compartilhar experiência e conhecimento no velho auditório atrás do casarão da rua Euclides da Cunha, na Pompéia. O extinto prédio da Fafis.

Por conta das atividades jornalísticas, cheguei meia hora atrasado. Rubem Alves também. Ninguém imaginava que a noite seria de show de rock. Auditório para 400 pessoas lotado uma hora antes do evento. Dois telões, um em cada lado da rua para acompanhar a palestra. Tive que assisti-lo no prédio da Facos, do outro lado e hoje substituído por um espigão pós-moderno. Fiquei encostado em uma das pilastras do pátio lotado e tive uma das melhores aulas daquela vida universitária.

Suas palavras escritas e ditas me empurraram, ao longo dos anos, para a compreensão absoluta de que a educação necessita da perspectiva humana, mais do que estatísticas, rankings, conceitos de autoajuda, métodos de gurus corporativos e políticas de ocasião. Quando me tornei professor, ler Rubem Alves também me amparou para assimilar que a academia deve ser vista e vivida com a distância segura, com a proteção contra a burocracia, a pequenez e a mesquinharia de quem utiliza a ciência e a docência como enfeites de poder.

Rubem Alves me mostrou, assim como Contardo Calligaris me disse numa entrevista, que a academia pode ser aquela torre inalcançável e mal lida por cinco, seis pares. E que os mesmos conceitos podem ser difundidos e ensinados de formas mais simples e populares, como reza qualquer cartilha progressista de educação.

O rumo inevitável desta postura – adotada por ele e mal traçada por mim – é o flerte com a poesia, com a observação inerente do cronista que transpira personagens urbanos e seus lugares pelos detalhes. Nunca mais esqueci do texto publicado na revista Educação, no qual Rubem Alves fala da urgência da pessoas fazerem cursos de Escutatória, em troca das tradicionais aulas de oratória. Essencial em uma época em que muitos falam, poucos dizem e quase todos fotografam a si mesmos. 


Um livro a ser descoberto
Doze anos depois da noite do telão, eu – como professor da mesma universidade onde me formei – entrei em sala de aula para dialogar com minhas alunas da Terceira Idade. Assim que coloquei minha mochila na mesa, uma das alunas chegou perto de mim e me disse: 

— Professor, trouxe um presente para você!

— Puxa, obrigado, o que é?

— Um livro. Eu acabei de ler e achei que tinha a ver com você.

A obra era de Rubem Alves. O título: Do universo à jabuticaba.

Agradeci de maneira educada e pensei que não poderia haver maior elogio para o curso que dava naquele semestre. Levei-o para casa e – confesso – coloquei-o na pilha das obras a serem devoradas.

Talvez seja a hora de dizer obrigado ao Rubem, descobrindo para que servem certas frutas.


Comentários

Marcos Alvito disse…
Bela crônica, camisa 1, parabéns. Um abraço. Alvito
Gabriel Davi disse…
Excelente texto e reflexão.