Hoje é meu aniversário (que saudade de mim)




Zuleica Maria de O.A. Batista

Quatorze de novembro é o dia do meu aniversário. Ano passado, estava num sono profundo, quando acordei com o toque repetitivo do telefone. Levei alguns segundos para me situar. Sim, estava em Santos. Acendi a luz da cabeceira e atendi. Era minha filha. Ela estava viajando. Cantou o famoso “pic-pic” e me cumprimentou com aqueles chavões de sempre.

Conversamos algumas banalidades – costumo dizer que são (conversas de passarinhos pousados nos fios elétricos das ruas). Despedimo-nos com beijinhos, beijinhos. Desliguei o telefone, recolocando-o no gancho. Por instantes, fiquei ali parada memorizando anos anteriores e vi passar um filme onde praticamente reconheci todos os personagens.

Para começar, não era um filme tradicional e nem linear. Por quê? Porque no dia do meu aniversário, certamente eu sou a protagonista com 65 anos de carreira; e minha filha, a coadjuvante com 32.

Iniciei o filme com a chegada de minha filha Catarina no mesmo dia do meu aniversário. Não foi programado. Nem tinha como, pois ela nasceu de parto normal. Não tenho explicação clara para esse detalhe, a coincidência de a filha nascer no mesmo dia que a mãe.

O fato é que, desde seu nascimento, sempre se comemorou duplamente o nosso aniversário. Na infância reunia a família, meus amigos e os dela. Já na adolescência, depois de comemorar comigo, ela ia para a balada festejar com a turma. Sempre só alegria e muito carinho.

Infelizmente, no decorrer dos anos, ficou desgastante para ambas conciliar as datas. Chegou a hora de termos uma conversa franca, olho no olho para tentar trazer o desejo de cada uma para a possibilidade de libertação das comemorações de nosso aniversário. O jeito, então, foi decidirmos por um acordo em que cada uma comemoraria onde e como quisesse, sem aquela obrigatoriedade de estarmos juntas.

Eu, Zuleica, gosto de experimentar importantes mudanças, mas, particularmente, confesso que essa mudança de roteiro não foi uma experiência boa para mim. O cenário não está completo, pois olhando em volta sinto que está faltando uma peça.

Continuando ... Um ano depois. 




O próximo quatorze de novembro será um replay. Ela irá viajar, novamente. Embora saiba que tenho que cumprir as regras do acordo e que não estaremos juntas, mesmo assim, sinto que haverá um vazio. Não estou entusiasmada. Estou sofrendo antecipadamente. Ainda não decorei o meu papel para a próxima cena. Está difícil de entender e assimilar a circunstância que ora vivemos.

Última cena: a atriz principal enxerga acontecimentos dentro da cronologia inerente ao ser humano. Faz um prognóstico antecipado como uma vidente. Numa estrada onde mãe e filha são caminhantes, há uma bifurcação e, como a vida às vezes não dá escolha, elas terão que se separar. Está aí toda a explicação do enredo. E a legenda é: como será futuramente o aniversário da filha depois da separação? Acendem-se as luzes. Aparece o “The End” e a imagem com os letreiros finais dizendo que esta é uma história real.

Perplexa, constatei um curta metragem que dá espaço para meditação sobre os aniversariantes do mesmo dia, o que é a vida, o amor, a família, os filhos, as relações humanas, a perda, e a razão da existência.

Será que dá para entender tudo? Definitivamente não.

(Impossível sentir saudade de mim, pois sou interação de meus entes queridos).

14/08/2011

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