Cinema alemão: prazer em ver

Foto: André Azenha

Cinema e futebol não costumam render bons casamentos. Quando as histórias não são deficientes, os atores – pernas de pau por natureza – não ajudam os diretores nas filmagens. Muitas histórias de craques – que renderiam ótimos roteiros – acabam reduzidas a tramas de opiniões e caminhos controversos, como Garrincha e Heleno. 

Talvez seja um problema de perspectiva. Talvez a bola seja indomável para decorar as falas e obedecer às táticas dramatúrgicas. Ou o caso de se inverter o jogo. Em vez de levar o cinema ao futebol, trazê-lo – como espetáculo – à tela branca numa sala escura.

Fui pelo segundo ano consecutivo assistir à final da Liga dos Campeões da Europa em uma sala de cinema. No caso, o Cine Roxy, em Santos. Numa tela de 12 por 6 metros, é a simulação mais próxima possível de um estádio. A sensação é quase a de uma arquibancada, claro que com cadeiras bem mais confortáveis do que em estádios brasileiros.

Este ano, a final entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund foi vista em 52 salas, em 28 cidades. A transmissão, em 3D, foi da ESPN Brasil.

No ano passado, estive lá a trabalho e me impressionei com todo o cenário. Este ano, fui como espectador e pude ver do mesmo ângulo que os 350 torcedores que lotaram a sala número 5.

Confesso que pensei no jogo como uma experiência antropológica. Na minha estupidez pseudo-intelectual, testemunhei um concerto de primeiro nível. A festa começa meia hora antes da partida. Enquanto pipocas, copos de refrigerantes e garrafas de água se ajeitam, o gramado do estádio de Wembley, na Inglaterra, serve de campo de batalha para duas hordas germânicas, numa reprodução pós-moderna da Alta Idade Média.

O balé, empurrado pela música-tema da Liga, é o aperitivo do jogo de pernas sincronizado que veríamos 30 minutos depois. Uma relação de perde-ganha que nos permite sonhar com um empate perpétuo de mágico futebol, desde que o jogo prosseguisse a doses homeopáticas de emoção. No final, os guerreiros com premonição futebolística desmembraram três flâmulas, uma de cada time, mais a da bola da competição. A precisão alemã com a pontualidade britânica inglesa.

A final entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund não poderia ser incoerente com a preliminar. Partida decidida aos 43 minutos do segundo tempo. Jogo épico, no qual vilões e heróis mudam de manto conforme os lados do campo se alteram. 

O líder da tropa vermelha foi o holandês Robben, marcado para perder, destinado a vencer. O atacante jogou fora dois gols no primeiro tempo, para destroçar os amarelos de Dortmund a dois minutos do final.

Como a realidade sempre massacra a ficção, o futebol no cinema se justificava como filme, incluindo a surpresa que aparece durante a exibição dos letreiros finais. Diferente do ano passado, quando o Chelsea arrastou o Bayern para o terror dos pênaltis e na exaustão de um roteiro superior a três horas.

Mas o capítulo à parte está sentado nas cadeiras. Em 2012, a divisão era evidente. Além dos uniformes, a sala de cinema era compartilhada por gente do século passado e torcedores filhos do videogame.

Os alemães eram sujeitos acima de 30 anos, muitos saudosos das transmissões na TV Cultura na década de 80. Esta década, aliás, é anterior ao nascimento da maioria dos torcedores do Chelsea, que passaram a amar os ingleses pela TV a cabo, Internet e,principalmente, pelos jogos da Fifa.

Herdeiros do simulacro, os torcedores do Chelsea correram em direção à tela de cinema quando os ingleses ganharam o torneio. A simulação sem reparos, em 3D. Um jogo fechado da Fifa em tempo real.

Em 2013, a sala também dava a impressão de estar partida em dois. O problema é detectar os torcedores no escuro. As vozes se misturavam a cada defesa de Neuer, do Bayern, ou a cada gol perdido por Robben. A vibração dos gols foi de mesma intensidade. Gol se fala em qualquer idioma. E, alemães à caráter, ninguém correu desta vez. Apenas sorrisos e aplausos.

De fato, a Liga dos Campeões da Europa é um espetáculo em qualquer endereço, com ou sem óculos pretos, em qualquer língua. 

Obs.: Texto publicado originalmente no site Cinezen.

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