Paz ao Chorão


Ao me encontrar na sala dos professores, Luiz Gustavo – um colega de trabalho – foi taxativo: “Você precisa escrever sobre o Chorão!” Respondi que o assunto era importante, mas só conhecia as músicas principais, que tocavam nas emissoras segmentadas de rock. 

Comecei a ler sobre o músico na imprensa. E, obviamente, mudei de ideia. Alerto que este texto não é sobre o Chorão; ao menos, diretamente. É sobre o que se faz com a imagem dele e, principalmente, como se tortura psicologicamente familiares e amigos com doses cavalares de especulação, mais algumas miligramas de irresponsabilidade. 

Em termos criminais, o cantor é vítima. E deveria ser tratado como tal. Com que direito peritos divulgam fotos do apartamento e do corpo? Ninguém se preocupou em questionar o procedimento, que rasga os manuais técnicos da polícia. Os peritos quiseram fazer média com a imprensa? Ou apimentar, de forma irresponsável, a sede de sangue?

Chorão era uma figura pública e também deveria ser tratado como tal. Parece ingenuidade em tempos nos quais a fronteira entre público e privado se esvaiu, mas não podemos encarar a exposição de situações-limite como natural. Até porque envolve um processo artificial de construir e legitimar personagens.

Criamos uma espécie de código perverso, no qual as figuras famosas perdem seus direitos de privacidade assim que ser tornam conhecidas. Exercitamos nossa morbidez em construir teses sobre a vida alheia, de modo que também nos reconfortamos em preservar nossos mundos ordinários. Podemos expor nossas vidas em fotos e declarações irrelevantes nas redes sociais, desde que as reações sejam compatíveis com o universo de sonhos.

Nessa ciranda movida à hipocrisia, ficamos indignados quando sofremos críticas ou quando nos tornamos alvos das línguas soltas que acreditamos ter amarrado com nossas fantasias de pertencimento e reconhecimento.

Transformamos a vida alheia a partir de contornos de dramaturgia de banca de jornal. As causas biológicas da morte de Chorão ficaram presas no pé da última página. O sofrimento de um sujeito que dava sinais sólidos de dependência química se tornou nota de rodapé. Para muitos, só reforçou ideias pré-concebidas que se sustentam em intolerância e moralismo.

O que prevalece é a eleição instantânea de heróis e vilões. O músico foi santificado. Não cabe a mim discutir o valor da obra dele. Mas me soa apressado colocá-lo em um falso panteão onde residiriam Cazuza e Renato Russo, como fez um apresentador de TV. Qual o critério de escolha? Ter também uma banda de rock e morrer cedo?

A lógica esquizofrênica desta mídia afobada por audiência inclui elevar à vilania – sem assumir que o fez – a ex-mulher do cantor. Graziela Gonçalves, em questão de horas, entrou em metamorfose e saiu como a megera que provocou uma depressão em Chorão quando se separou dele.

Nasce, neste ponto, o capítulo seguinte, com o choque de versões. Muitos desfiando tratados filosóficos, muitas opiniões a partir de teorias conspiratórias. E pouco esclarecimento sobre um homem de 42 anos, com recursos e cercado de gente, que alcançou um patamar devastador de dependência química.

A depressão foi diagnosticada? Por que não recebeu o tratamento adequado? Um jornalista chegou a dizer que, ao trabalhar com Chorão, concluiu que ele sofria de transtorno bipolar. Um psiquiatra nato, talvez.

Que Chorão descanse em paz! E os que realmente se importavam com ele, também! Mas preparem-se: ainda não se colocou na mesa o dinheiro, via exploração contínua da obra dele. Uma novela, claro, à revelia do protagonista.

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