A mão estendida

Mara Menezes* 

Inês é uma senhora que chegou há alguns meses à república onde estou morando temporariamente. Semblante triste, meia-idade com aparência de muito mais, divorciada, sozinha na vida. Menciona uma irmã e uma filha casada com quem nunca a ouvi conversar. Não tem celular nem facebook. Subempregada, fuma excessivamente e essa semana embebedou-se até cair.

O trecho de caminhada a partir da esquina da avenida Conselheiro Nébias pela rua Sete de Setembro rumo ao mercado e à estação de travessia de catraias que leva ao distrito de Vicente de Carvalho, do outro lado do canal, pode levar uns bons minutos de alerta. Nada de introspecção nesses momentos.

A jornada demanda atenção, pois, além de ser uma rua movimentada de tráfego, pessoas percorrem as calçadas apressadamente o que pode custar uma trombada de frente com alguém vindo à direção oposta pela mesma calçada. São estudantes universitários, trabalhadores, comerciantes, entregadores e vendedores locais, mendigos, muitos malandros – a julgar pelo gingado do caminhar, os olhares, e as gírias do palavreado – e bêbados, que passam seus tempos por ali nos bares de esquina ou simplesmente jogados pelo passeio.

Essa semana, voltando do distrito de Vicente de Carvalho, parei na padaria Voga para comprar uns pãezinhos, como de costume. À porta da saída estava assentada uma senhora pedinte. Rosto inchado, vermelho, próprio de quem bebe todas há muitos anos, vestida em trapos e aparentemente com muita dor, refletida nos olhos, semicerrados e suplicantes, com a mão estendida a uma outra, de pé, também pedinte.

Nesse momento, a norma é olhar para o outro lado. Recordei uma foto que circula pelas redes sociais em que um executivo passa pela rua e sua própria sombra lhe segura pela cabeça e a desvia para o outro lado para que ele não veja o mendigo jogado na calçada dois passos à frente.

Enquanto eu queria voltar e perguntar o que estava acontecendo, minhas pernas cheias de vida própria continuaram caminhando, foram seguindo e a distância aumentando. Olhei para trás, queria voltar, mas lá na frente vi que já vinha o ônibus 10 e minhas pernas correram. Antes disso, ainda pude ouvir, fracamente, algo que a pedinte de pé disse à outra: “Pois é, não vai dar... é cada um por si e Deus por todos.”

Voltei à república e lá estava Inês, a mulher triste, fumando um cigarro atrás do outro, tossia sem parar e observei que ela não estava longe de um destino como aquela outra à entrada da padaria. Sentei-me ao seu lado e tivemos uma longa conversa.

*Mara Menezes é estudante de Jornalismo da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), em Santos/SP.

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