A crônica da primeira crônica


Por Jessica Bitencourt*

— Você precisa parar de escrever ouvindo música.

— É impossível se concentrar nas duas coisas ao mesmo tempo. Você não presta atenção no que está ouvindo nem na matéria que está fazendo.

— Qualquer dia desses, vai acabar colocando coisa errada nos seus textos.

A bronca veio numa quarta-feira, enquanto Nando Reis imperava no meu fone de ouvido e eu produzia o texto do quadro Dicas de Cultura, que vai ao ar todas as quintas, na Primeira FM, em São Vicente. O motivo: eu comecei a cantar a música. Em voz baixa, mas o momento silencioso da redação fazia com que o meu ruído se transformasse num show particular, que ninguém havia pedido para assistir.

Os autores da bronca: minha chefe e meu namorado. Ambos em mesas à frente da minha, que fica estrategicamente (ou não) situada no canto esquerdo, ao fundo da sala. Travaram um debate sobre o assunto, cada um contando as experiências frustradas com a combinação “texto e música”, que iam das dores de cabeça ao não entendimento da letra da canção.

Eu prestava atenção por tabela, para engano deles. Já acumulava quatro funções, quando uma quinta se uniu ao enredo. A lembrança de que a minha primeira crônica saiu enquanto eu ouvia a faixa três de um álbum do Skank, que, mais tarde, veio a se tornar o meu preferido. Mal sabiam eles, debochei.

Recordo-me que a professora de redação havia pedido um texto, uma daquelas atividades que acrescentam uns pontinhos na média. E como a preguiça é minha principal característica desde pequena, ficou para a véspera da entrega. Eu não era tão pequena assim, já tinha uns 13 ou 14 anos. E, naquele momento, várias folhas de fichário amassadas em cima da cama. Nada me vinha à cabeça.

Resolvi abrir a janela. Meus pais brigavam quando eu abria a janela de noite, por causa dos mosquitos, mas eu gostava de observar a luz da rua. Da rua mesmo, porque não tinha nem lua naquela noite. Comportamento típico de adolescente romântica. E o álbum Cosmotron, o mais recente do Skank na época, foi o escolhido para me fazer companhia, já que eu estava triste e não conseguia escrever.

Tinha chorado por causa de um menino do colégio, um desses amores não correspondidos que a gente vive. Eu tive vários, mas o personagem em questão foi a paixonite que durou mais tempo. Fiquei girando na cadeira do computador, e olhando a rua. E numa dessas voltas, a dita cuja começou a tocar no som da minha tia.

Formato Mínimo é uma poesia sobre um amor que dura apenas uma noite, e foi ela que inspirou naquilo que, eu não sabia, seria a minha primeira crônica, e despertaria minha paixão pela escrita. O texto ganhou nota dez, e ter escrito com um dicionário, daqueles bem grandes, do lado. As palavras difíceis impressionaram a professora.

E foi aí que começou uma afinidade entre a música e os meus textos, não só as crônicas. Em qualquer lugar, abrir o editor de texto no computador é sinônimo direto de abrir o player, ou vídeos da internet, ou conectar os fones no celular. Preciso do som para pensar, e as letras me trazem mensagens despretensiosas quando menos espero.

Cheguei a essa conclusão em meio ao tricô que rolava na redação. Já sem os fones, ambos dispararam as frases que citei no começo diretamente para mim. Não retruquei, apenas dei de ombros. Achei melhor voltar o objeto ao seu lugar e continuei escrevendo, cantando e ouvindo o som do Nando.

* Jessica Bitencourt é estudante de Jornalismo da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), em Santos (SP).

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