Lobão entrou no camarim como
um corredor de cem metros rasos. Sorridente, simpático, porém agitado, ele cumprimentou
a todos e emendou com a primeira história. Seus interlocutores mal respiravam
entre uma risada e outra. Um episódio sobre o morro da Mangueira, o tráfico de
drogas, o testemunho de uma execução em meados dos anos 80.
Em
pé, em performance teatral, Lobão segurava a plateia do camarim com doses
intercaladas de tragédia e comédia, deixando sempre o melhor para o capítulo
seguinte, como bom novelista. Enriquecia os detalhes com exemplos como: “Todo
mundo passou a chamar o sujeito de defunto. Não entendi. Perguntei o porquê e
me disseram: ele tá morto. Só que ainda não sabe.”
Lobão
se referia a um sujeito que usava um revólver 38 para controlar a bateria de
uma escola de samba. Acabou executado depois do ensaio. Com direto à última
oração.
Lobão manteria o ritmo pelas três horas seguintes, no
palco ou fora dele, no Theatro Guarany, em Santos. Como primeira atração da 4º
Tarrafa Literária, festival internacional de literatura, o cantor algemou a
atenção da plateia como um humorista em espetáculo solo.
Durante
uma hora e meia, enfileirou “causos” sobre o Rio de Janeiro da década de 80, a
relação com as drogas, escola de samba e a vida na prisão. A velocidade com que
costurava as histórias era apenas entremeada pelas rápidas intervenções do
mediador Matthew Shirts, um espectador privilegiado, que compartilhava
gargalhadas com o público.
Comando Vermelho - Uma
delas, por exemplo, envolveu a aquisição de uma carteira de motorista. Na
verdade, Lobão ganhou a CNH de presente da liderança do Comando Vermelho. Parado
pela polícia, pensou que seria preso mais uma vez. Os policiais checaram a
carta e nada encontraram. Aí Lobão entendeu que o presente não era uma
falsificação. “O Comando Vermelho me deu uma carteira quente.”
Lobão
veio lançar sua biografia “50 anos a mil”, escrita em parceria com o jornalista
Cláudio Tognolli. O livro foi um sucesso editorial e revelou uma nova faceta do
artista, também apresentador de TV. “Sempre fui escritor. Escrevo desde
criança.”
O
cantor deve lançar o segundo livro em março de 2013. O título provisório é
“Manifesto do nada na terra do nunca”. Será uma coletânea de textos
provocativos, característica marcante em todas as áreas de atuação dele. Como
Lobão não consegue fazer uma coisa por vez, ele prepara um romance – de estreia
– para lançar na sequência.
Aos
54 anos, em plena forma física, Lobão se veste como alguém adepto da vida
roqueira. Camiseta preta e tênis de cano alto. Poderia ser redundante se o
próprio negasse com veemência o rótulo de “cantor de rock”. “Fiz um disco de
MPB, em 1995. Hoje, seria uma modernidade.”
Garoto classe média - Naquele
momento, Lobão brigou com a indústria fonográfica, lançou um selo próprio e foi
um dos pilares de uma campanha pela numeração do CDs como forma de controle
sobre o direito autoral. Os CDs de Lobão eram, na ocasião, vendidos em bancas
de jornal. Isto numa época em que a pirataria ainda era elemento frágil da
cultura nacional.
Lobão
repetiu, ao longo das conversas com o público, que sua biografia é a visão de
um garoto de classe média. Passou a adolescência em conflito com a família, não
completou o Ensino Médio e encontrou na música a veia para expor o que sentia.
Neste sentido, ele se enxerga como roqueiro pela filosofia do gênero musical, e
não pelas canções.
Mais
velho, Lobão não se vê como alguém que perdeu a vitalidade. Prefere escolher as
batalhas. Prefere contar sobre as feridas de guerra. Em ritmo de show, independentemente
do tamanho da plateia.
Como
o testemunho do motorista que o trouxe de São Paulo, no dia anterior. No
camarim, logo após a entrada de Lobão no palco, o motorista comentou: “ele não
parou de falar desde que entrou no carro.” E sorriu como quem dissesse: “será
assim quando levá-lo de volta.” Sorte dele que a conversa tem todos os
elementos de uma boa história.
Obs.: Texto publicado, originalmente, no jornal Boqnews.
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