A receita do político feliz


Políticos e burocratas são irmãos quase gêmeos. Às vezes, são tão parecidos que compartilham uma única pessoa. As diferenças de DNA costumam ser sutis. O funcionamento mental de ambos é quase igual, mas os objetivos podem seguir estradas distintas. 

A fraternidade é de sangue.  Políticos se protegem com burocratas. E os burocratas se escoram nas costas largas dos irmãos de cargo eletivo. Ambos cumprem à risca um dos clichês da cultura cartorial: criar empecilhos para vender benefícios.
            
A cultura cartorial, nascida nos tempos da colônia, se manifesta pela enrolação, fatiada em várias etapas. Enrolação é uma palavra que arranca políticos e burocratas de suas camuflagens. Por isso, eles precisam mascarar a inércia com o envolvimento direto, mas distante, das vítimas. Neste caso, nós!

O primeiro passo são as reuniões. Os encontros sufocam com tantos detalhes. As reuniões simbolizam excesso de trabalho. Na prática, as reuniões vão parir outras reuniões para revisar encontros anteriores, para redizer o que já foi falado, para reavaliar as decisões propagandeadas como definitivas.  

Quando fica explícita a inutilidade da reunião, nascem as comissões. Quanto mais melhor para atravancar o trabalho. As comissões podem fingir que investigam, encenar interesse por depoimentos, convocar especialistas do óbvio, apelar para outras reuniões. Mesmo que as comissões tenham boa vontade, o destino dos papéis produzidos é inevitável: as gavetas de alguma seção, de alguma secretaria. Ou armários com tranca para parecer sigiloso.

O ciclo da burocracia se mantém estável quando se fala em dinheiro. A falta dele aumenta a plateia da encenação. Para arrumar verbas, é emergencial acionar outras instâncias também interessadas em perpetuar o projeto. Novas reuniões serão agendadas e comissões, criadas. Mais gente para palpitar, novos endereços para visitar, convocação de outros especialistas, sugestão de novos caminhos e, se possível, de novos projetos que alterem o projeto inicial.

Se a ideia inicial for promissora, o golpe político-burocrático permitirá a concepção de dois novos estágios. O primeiro é a pseudo-inauguração, que conta com a desinformação alheia. A obra em si jamais chegará ao final, mas o que importa é a festa. A imagem de bom anfitrião e de realizador.

A pseudo-inauguração pode se materializar em uma pedra, placa, marco inicial ou terreno vazio, apesar de que muitos políticos e burocratas consideram estas táticas démodé, de fácil percepção de que ambos enganam. A novidade é a maquete, que sinalizaria que o projeto existe de fato e resultará em obra. Já resultou! A maquete é a obra em si, pouco importa se em escala reduzida.

O segundo estágio é o tempo de conclusão. De cara, prazos vagos. Depois, compromissos públicos são assumidos, com a certeza da amnésia política. Adiar até a próxima eleição. Em caso de obra inacabada, inaugura-se o que estiver pronto e se esconde a carcaça. Como explicou uma Prefeitura, esta semana, ao inaugurar um prédio incompleto. Não era inauguração, era “apresentação de uma edificação pronta”.

Com o político reeleito e o burocrata empregado por mais quatro anos, chega-se ao paraíso da lentidão. Ou o projeto é extinto, e a maquete será reciclada para o bem ambiental politicamente correto. Ou o projeto receberá novo nome, fará parte de nova secretaria, a fim de se perpetuar o ciclo.

Para rechear o discurso de procrastinação, há um vocabulário próprio. Neste idioma, prevalecem palavras e expressões como articulação, agregar valor, sustentabilidade, recursos, bem público e outras variações sinônimas.

Em tempos de campanha, o ciclo se reproduz em progressão geométrica. Multiplicam-se os desejos, dentro e fora do poder. O discurso é parecido, com a ligeira diferença de que os projetos ganham retoques particulares, mas prezam pela mesma megalomania e pela inoperância de quem promete além dos limites da função.  Seu candidato se encaixa no perfil? 

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