Um homem seguro


A punição para goleiros que falham

Goleiros são sujeitos carentes. A carência que nasce de uma posição solitária, peculiar e de responsabilidade única. Mais do que afeto, os goleiros precisam de reconhecimento. Reconhecimento que se traduz no olhar inicial de súplica dos zagueiros, quando falham, e de alívio ao perceberem que alguém os corrigiu lá atrás.

Mas o reconhecimento somente se completa quando os atacantes levam as mãos à cabeça e se entreolham como se dissessem: “Podemos jogar mais uma semana que nada passará por ele”.

A reação a esta linguagem, tanto dos defensores como adversários, é a confiança. O goleiro se sente seguro para se arriscar mais, para interromper a jogada, chegar inteiro nela. Nada de rebote. Apenas a decepção do atacante que saliva de boca cheia de desejo por mais uma bola.

O goleiro Cássio, do Corinthians, transpira segurança, principalmente nos jogos pela Libertadores. Com 1,95 metros, ele sepultou rapidamente o antecessor. Mostrou-se exemplar nos pontos falhos de Julio Cesar, que rebatia demais e tinha dificuldades com bolas altas. Cássio soube utilizar, inclusive, os 15 centímetros de vantagem na altura.  

É muito cedo para afirmar que ele será o titular do time por muito tempo. É prematuro cogitar também que será um ídolo do clube, este sim carente de um grande goleiro, daqueles que metem medo nos atacantes, desde Dida, há 10 anos.

Cássio comanda a melhor defesa do Corinthians na história da competição, ao menos em tradução numérica. Em 11 partidas, sofreu só dois gols. Cássio jogou cinco e ainda está invicto.

O goleiro corintiano começa a preencher, passo a passo, a cartilha de quem se manterá como titular. Goleiros de times grandes não podem falhar em partidas decisivas. Falhas gritantes são parte do currículo, mas em jogos sem maior importância, que permitem a redenção e provocam amnésia nos torcedores na partida seguinte.

Goleiros de equipes vencedoras escolhem a hora certa do milagre. Foi o que Cássio fez, na partida contra o Vasco, no Pacaembu. Mas, essencialmente, goleiros de primeiro nível jogam com regularidade em alto nível. È o que vem acontecendo com o goleiro corintiano. Não houve milagres na Vila Belmiro, mas uma série de boas defesas. Muitas delas sem rebote. Quando não era possível segurar uma bola, o escanteio era o destino adequado.

Cássio tem uma trajetória peculiar. Nome habitual das seleções de base, sempre pertenceu a grandes clubes, mas quase nunca jogou. Antes do Corinthians, 19 partidas como profissional, somando Grêmio e PSV, da Holanda. Veio para compor o banco de reservas de Julio Cesar e se tornou titular com apenas um jogo amistoso e quatro meses de clube.

Esta riqueza de detalhes será esquecida se o Corinthians não vencer a Libertadores. Mas será lembrada com exagero, inclusive, se acontecer o contrário. Se Cássio for coerente com seu passado recente, o time elimina o Santos na próxima quarta-feira, ainda que o ataque mantenha a rotatividade de atletas e a entressafra de gols.


O risco é alto porque decisões não admitem falhas. Mais do que isso, o futebol ignora carências e pune com rigor àqueles que comprometem em jogos singulares. Raramente, há uma segunda chance. Quando há, a conta é paga com juros dignos de agiotagem. Felipe, ex-Santos, Deola, banco no Palmeiras, e o próprio Julio Cesar, colega de Cassio no Corinthians, são cadáveres vivos da crueldade deste esporte, implacável com quem é carente de reconhecimento. 

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