O Dia dos Filhos


Dispensando a esquizofrenia comercial de presentes a qualquer preço e os protocolos que alimentam o teatro de muitas famílias, o Dia das Mães é uma data que me provoca – até dias antes – uma série de reflexões sobre a maternidade e, no meu caso, a paternidade. São cargos vitalícios, de confiança, mas passíveis de abuso de poder e, dependendo do caso, de nocaute por ingratidão.

Fico assustado quando vejo a tentativa neurótica de transformar a data num acerto de contas ou numa idealização de relacionamento que, à meia-noite, como a carruagem da Cinderela, virará abóbora. Também me preocupa quando se comemora por obrigação civilizatória, marcada pelo silêncio ou pelos cutucões não-verbais. É o almoço em que todos batem ponto, com o pensamento nos compromissos a serem cumpridos posteriormente.

Neste universo em que vestimos as máscaras dos personagens de comercial de margarina, nunca foi tão fácil ser mãe. E nunca foi tão difícil exercer a maternidade. Os tempos modernos aboliram a fralda de pano, trouxeram as comidas industrializadas de vários sabores, essências e até fragrâncias, criaram as profissões especializadas para acompanhar cada detalhe do corpo do bebê e inocularam as tecnologias que mantém a criança ocupada sem a necessidade de um adulto por perto. A somatória aponta para um arsenal de recursos que quase tornaram um filho independente na infância.            

Talvez esteja aí a questão que faça da vida materna um dom e uma maldição. Nunca foi tão fácil acompanhar o crescimento das crianças de perto. Tão perto que beira o estrangulamento. Tão seguro quanto uma torre de marfim com uma vitrine para testemunharmos o cotidiano de reizinhos e princesinhas.  

Nunca tão foi comum vermos crianças cercadas de cuidados ao ponto da liberdade se transformar em cárcere privado. Pais e mães que sentem pânico quando pensam na possibilidade de provocar algum trauma em seus filhos. Lutam para conquistar a amizade deles por meio de relações horizontais. E os fazem monarcas ditatoriais, tão nus que não vivem o mundo fora da corte.

Filhos são amigos, mas – acima de tudo – são filhos. A relação entre eles e seus pais será sempre marcada pela verticalidade. E, neste sentido, é possível enxergar uma geração que desconhece a palavra “não”. A permissividade é o fruto que mata o diálogo, que envenena o questionamento infantil com o último brinquedo eletrônico (que brinca sozinho!) do momento, que mutila o conflito de gerações, tão duro quanto rico para o crescimento de todos os envolvidos.

O excesso de proteção caminha de mãos dadas com a transmissão de angústias, desejos e responsabilidades típicos do mundo adulto. Filhos não são executivos, com suas agendas divididas de hora em hora. Crianças não precisam se preparar para o vestibular ou para o concurso público.

Muitos pais trocam a construção de lembranças em conjunto com os filhos por uma cultura competitiva de desempenho, certificados, aulas disso ou daquilo com a desculpa de garantir o futuro deles, ainda que seja tão impreciso quanto distante. Tão impreciso e distante quanto a compreensão que a criança tem sobre notas, diplomas, provas e conteúdos injetados por lavagem cerebral.

O Dia das Mães é uma data com cheiro de balanço. Entre as contas a receber e as contas a pagar, um intervalo não apenas de demonstração obrigatória de amor, como se não houvesse amanhã. O amanhã está ali de pé, no batente da porta, a indicar o quanto fazemos como pais e o quanto fazemos como filhos. 

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