Santos possui uma das três
maiores frotas de automóveis do país, em proporção ao número de habitantes.
Manipulada a informação, os ufanistas defendem que é um sintoma de fartura econômica
do município. Os automóveis são, de fato, um dos termômetros que determinam a
saúde ou as feridas que sangram uma economia. O Governo Federal aperta ou
afrouxa o crédito, entre outros fatores, pelo comportamento da indústria
automobilística.
Historicamente, o país impulsionou a industrialização
quando abriu as portas para os Estados Unidos e suas fábricas de carros, além
de outros segmentos correlatos da economia. Pagamos até hoje a troca de um
futuro ferroviário por estradas e caminhões.
Numa sociedade que se agarra às aparências, o carro
representa ascensão social. Ainda que 90% das vendas envolvam financiamentos
que terminam quando o produto virou sucata, andar de carro novo indica – para
os apressados – mudança de status e a inserção efetiva no mundo do consumo.
O cenário de carros em progressão geométrica alterou o
comportamento dos santistas. Passamos em pensar no melhor horário de sair de
casa. Chegamos atrasados ou perdemos compromissos por conta de engarrafamentos.
Compartilhamos rotas alternativas para evitar pontos tradicionais de
congestionamento nos horários de pico.
Levamos
em consideração a hipótese da adoção do rodízio, o que sacramentaria a cidade
como uma versão em miniatura da capital paulistana. A classe média passou a
discutir, com maior veemência, o que “gente pobre” pratica por obrigação. Na
ausência do carro, a bicicleta, o ônibus, a motocicleta e os sapatos como meios
diários de transporte.
Na
corrente contrária, proliferam as naves espaciais. São aqueles carros com
jeitão de jipe, pose de off-road, mas roupagem urbana, normalmente conduzidos
por uma pessoa. Na hora da compra, o argumento do carro-família. Na prática,
uma ou duas pessoas o preenchem no desfile pelo asfalto. De resto, lataria,
pneus e outros itens que ocupam espaço, fora a vocação poluidora de muitos
modelos.
Estes
carros, a maioria na casa de R$ 100 mil ou mais, costumam marcar a ascensão
social recente de uma parcela que necessita alardear quem são pelo que têm. Mantemos,
de certa maneira, o espírito colonizado por repetir – tardiamente – uma postura
que os norte-americanos abandonaram.
A
crise econômica e a legislação ambiental empurraram estes trambolhos para o
ostracismo nos Estados Unidos. Muitos dos jipões não fascinam mais os filhos de
Sam e foram repousar pelas bandas de cá, nas garagens de muitos novos ricos.
A
densidade demográfica, traduzida também pela aglomeração de carros, expõe a
falta de preocupação com o meio ambiente. Aumento de poluição atmosférica e
sonora, alterações de comportamento de motoristas e elevação da temperatura são
características incorporadas ao cotidiano de quem passa cada vez mais tempo
dentro do carro.
Independentemente
da ausência de políticas públicas que interfiram na estrutura de transporte, o
cidadão comum tem sua cota de responsabilidade no entupimento das veias de um
sistema circulatório incapaz de crescimento geográfico. Trafegar por avenidas
como Conselheiro Nébias e Ana Costa em vários horários se tornou inviável,
também por conta de carros mais largos.
Um
exemplo de vítimas da bagunça são os universitários. Muitos estudantes que
residem na Área Continental de São Vicente gastam o mesmo tempo de locomoção
que os colegas que tomam ônibus fretados para Peruíbe, 50 quilômetros mais
longe.
Por trás dos vidros
escurecidos, esconde-se – na verdade – o paradoxo sobre rodas de uma cidade que
deseja ser cosmopolita, mas não consegue largar o passado (tão presente) do
provincianismo.
Comentários
A rede de ciclovias está ficando legal, apesar de geralmente mal feitas, superfaturadas e com obras muito lentas, mas ainda assim, uma boa opção. Pelo menos ali não importa se sua bicicleta custa cem ou mil reais. Anda todo mundo junto.
O que me preocupa é essa herança atrasada de comportamento de consumo norte-americano, aliada à ideia de que, com o pré-sal, petróleo não vai faltar.
Como o Estado parece muito mais interessado na indústria da pavimentação e dos veículos, é de se esperar que o caos comova os motoristas, pois ele está próximo rs
Ótimo texto Marcão!