Os supertécnicos


           
Quando assisto a entrevistas coletivas, sinto saudades do tempo em que os técnicos tinham fama de serem os sujeitos que somente jogavam as camisas para cima, no vestiário, antes do jogo. E que, à beira do campo, se limitavam a não atrapalhar a genialidade dos craques nem a truculência dos carregadores de peso.

Os técnicos se transformaram em estrelas por nossa conivência. Acreditamos em suas promessas, damos atenção às filosofias de botequim, comentamos sobre seus ternos de grife importada. E engolimos a seco seus discursos criativos de responsabilização alheia nas derrotas, de retórica vazia nos empates, de auto-referência nas vitórias.

Os técnicos, antes anteparo para equipes ruins e jogadores de qualidade duvidosa, passaram a entender que poderiam se valorizar e dividir os holofotes que pertencem aos craques, mesmo os da rodada de final de semana. O fato é que os treinadores – independentemente da mudança de seus papéis – pouco interferem na dinâmica durante o jogo.

O técnico do Santos, Muricy Ramalho, é um dos poucos que mantém certa lucidez no exercício de auto-crítica. Muricy disse, por exemplo, no Cartão Verde, da TV Cultura, o óbvio: os atletas mal escutam ou não ouvem as instruções – aos berros – na lateral do campo. E, quando escutam, podem alterar a mensagem do que modo que lhes for conveniente. Muricy afirmou que, para alterar o ânimo ou o desenho tático de um time, tem os 15 minutos do intervalo para fazê-lo.

Técnicos de futebol são como o próprio esporte: uma metáfora dos comportamentos sociais e culturais do contemporâneo. Os treinadores, quando se enxergam como professores-doutores, além do significado da gíria futebolística, carregam consigo o pior deles. Tornam-se professorais, no alto da pseudo-sabedoria, donos do saber e da arrogância que acomete os surdos voluntários.

Os técnicos, neste sentido, compram para si a idolatria da aparência. Seriam mais eficientes porque se vestem bem? Seriam mais competentes porque aposentaram o velho agasalho de treino? A roupa de missa de domingo é capaz de alterar um resultado e assegurar a classificação para a fase seguinte?

Alguns treinadores aperfeiçoaram a técnica de amor à imagem. Adeptos da auto-ajuda e dos clichês do mundo corporativo, estes treinadores recortam e colam frases aparentemente desconexas, recheadas com palavras da moda e filosofam como se acreditassem às cegas nas próprias palavras.

Eles jamais reconhecem erros, transferem responsabilidades e, por vezes, incineram carreiras de seus atletas para salvar a própria pele por mais uma rodada. É o crime capital de um comandante que abandona o navio antes dos marujos diante do naufrágio iminente.

O técnico do Corinthians, Tite, parece exalar prazer quando aplica um vocabulário barroco. É um treinador de bom nível, mas sucumbe ao estereótipo do filósofo de almanaque. Qualquer torcedor sabe que a equipe joga de maneira única, ainda que eficiente.

Por que é tão difícil reconhecer que a estratégia de se defender bem e atacar eventualmente tem funcionado? Mas a dimensão excessiva do cargo implica em falar várias vezes a mesma coisa, com palavras diferentes, escolhidas a dedo no dicionário.

O ego inflado dos técnicos de ponta os impede hoje de se abrir ao aprendizado. Falcão, técnico do Bahia, parece ser uma exceção. Ele viajou à Europa e visitou vários dos principais times europeus para conversar com seus treinadores. Explicou, em entrevista, a necessidade de aprender e observar os locais onde atuam os melhores.

Wanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari retornaram depois de experiências irregulares no exterior. Felipão ainda se manteve em alta quando comandou a seleção portuguesa. Eles, que chegaram a representar o avanço dos profissionais, indicaram a longo prazo o quanto nos treinadores se afundaram no próprio narcisismo, coerente com o próprio olhar que o futebol brasileiro possui de si mesmo.

O preço a ser pago pela admiração diante do espelho é a sobrevivência de um velho problema. Técnicos de futebol seguem como peças descartáveis do modelo. Ainda são incompetentes para convencer seus empregadores de que projeto e planejamento não representam meras palavras que se perdem ao final da entrevista coletiva. Um discurso tão banalizado quanto o novo jogador que beija o escudo do clube sob juras de amor de verão.

Na prática, o medo consome os supertécnicos com a aproximação do inevitável. Por mais que terceirizem a culpa, a responsabilidade é deles. Um equívoco que se perpetua, mas se explica, com um tipo de profissional que se acaricia nas conquistas, sem o menor interesse de dividir as glórias com quem – efetivamente – decide os rumos do espetáculo.

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