O mal-entendido



Vencer a Bósnia por 2 a 1, com um gol contra, aos 45 minutos do segundo tempo, não altera a irrelevância do jogo antes da realização dele. O Brasil venceu os cinco últimos amistosos, o que poderia reforçar o cinismo dos pragmáticos de resultados. Antes da Bósnia, a seleção brasileira ganhou de Costa Rica, México, Gabão e Egito. Nenhuma das vitórias se deu por goleada.

Os jogos seriam parte da preparação para a Copa do Mundo, daqui a dois anos e meio. Se usarmos a competição como parâmetro, confirmaremos o estelionato. Qual dos cinco chegaria, por exemplo, às quartas-de-final? Só o México, desde que jogasse em casa. Qual dos cinco chegaria às oitavas-de-final? A Costa Rica alcançou esta fase uma vez, há 22 anos. Aliás, perdeu para o Brasil por 1 a 0, aquele time comandado por Sebastião Lazaroni.

Podemos enfileirar argumentos que retratem estas partidas como absolutamente inúteis. O próprio coordenador de seleções, André Sanchez, deu o recado: os testes acabaram. É hora de montar um time. Uma leitura mais apressada poderia indicar que o diagnóstico é irreversível e, em duas frases, de fácil tratamento.

Mas o problema é que a seleção atirou um ano e meio na lata de lixo. Padecemos de inércia coletiva. O Brasil estacionou em 2010, na eliminação da Copa do Mundo, sem se reinventar. A renovação prometida é de nomes, mas não de linguagem ou de estética. Os pontos fortes permanecem sólidos. As deficiências se esfregam vivas em nossos rostos.

O goleiro é Júlio César e, apesar da mudança dos reservas, a posição permanece estável. O mesmo acontece nas laterais. Na direita, Maicon e Daniel Alves seguem entre os melhores do mundo, assim como Marcelo no lado esquerdo. No meio da defesa, a situação é idêntica. Lùcio foi aposentado, mas a seleção tem – para Tostão, por exemplo – o melhor zagueiro do planeta: Thiago Silva. O companheiro de zaga, David Luiz, atua por uma das principais equipes da Europa, o Chelsea. Os reservas também estão em nível semelhante.

As fraquezas do meio-campo e do ataque são enredo conhecido, independentemente ou não das convocações de Mano Menezes. O time ainda cultua o luto, a viuvez de Ronaldo. Não o trocou por ninguém. Neymar é obrigado a saltar degraus para protagonizar o setor. Seu parceiro de frente muda a cada amistoso caça-níqueis. Nenhum se firma. Nenhum provoca cócegas ou temor nos adversários. Tanto que Robinho, execrado pela irregularidade, virou farol de esperança diante da boa fase no Milan.

O meio-campo não preferiu outros caminhos. E, neste setor, fica explícita a pobreza tática. Pobreza porque não existem variações. O Brasil é previsível para os adversários. O Barcelona também é, mas a diferença reside na versatilidade que permeia um esquema único, conectada umbilicalmente no talento e na troca contínua de posições dentro do campo.

O Brasil se fantasia de paquiderme, no qual cada jogador tem atribuição específica e basta pela arrogância. Um volante destruidor, outro volante que joga um pouco mais adiantado e finge ser meia. Os outros dois seriam responsáveis por levar a bola ao ataque. Um deles seria mais criativo e o outro, necessariamente para carregar o piano. Como se fosse uma heresia dois craques na criação de jogadas.

Sempre considerei um contra-senso, uma perversidade do futebol a demissão de técnicos por conta de meia dúzia de maus resultados. Responsabilizar um único profissional em um esporte coletivo, ainda mais aquele que mal teve tempo para construir e direcionar um grupo, é a maneira mais promíscua de implantar a política do bode expiatório.

Após um ano e meio e 21 partidas, a seleção brasileira apresenta o mesmo perfil. Queda no ranking da Fifa, disputas políticas, escândalos de corrupção complementam o conjunto de nuvens negras. O fato é que o Brasil, mesmo protegido pela empáfia traduzida na hipocrisia dos melhores do mundo, se tornou um time comum. 

Assim tem sido a era Mano Menezes. Prometendo renovação, ele nos entregou mais do mesmo. Falando em mudanças, maquiou o estado de coisas. Elogiado como adepto de novos ares, mostrou-se fiel aos velhos vícios do cargo. Infelizmente, o técnico atual mantém a seleção brasileira no purgatório, posição perigosa para quem sediará o próximo Mundial. Mano Menezes, salvo uma virada do avesso, parece ser um mal-entendido.

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