Os magos das finanças


Você trabalha em uma empresa há oito anos. É reconhecido no local por colegas e chefes, possui a melhor estrutura disponível e recebe inúmeras regalias que transcendem o salário mensal. Os clientes te adoram.

Os convites aparecem a cada início de ano. Você pondera sobre as possibilidades e sempre recusa, porque ninguém te dará o pacote de benefícios. Quando era mais novo, a inexperiência te fez mudar de empresa por um curto período. Voltar às origens pesou, naquela época, mas não o suficiente para mantê-lo lá. Você retornou à companhia que te levou ao auge.

No mês passado, outro convite para trocar de endereço. Salário mais baixo, estrutura inferior, equipe em reformulação, com muitos funcionários acomodados que alimentam diferenças internas. Muitas das desavenças vazaram além dos muros da empresa, o que gerou constrangimentos públicos.

A empresa autora do convite prima pela insistência e abusa do sentimentalismo hipócrita para te seduzir para o novo emprego. Tudo para mascarar um problema grave: os salários atrasam constantemente. O 13º, por exemplo, não foi pago nos prazos combinados. Um dos colegas pediu demissão por cansaço. Ele estava cansado de ouvir promessas de pagamento em dia ou do depósito de vale na conta bancária às sextas-feiras.

A situação da empresa não representa exceção. Um dos maiores concorrentes enfrentou greve de funcionários e queda de produtividade por conta de salários atrasados. Alguns colegas mudaram de emprego e de cidade sem receber o que lhes era de direito.

Diante dos fatos, a pergunta: você aceitaria a proposta, consciente de que, em muitas ocasiões, fará trabalho voluntário? Apesar de se sentir seguro financeiramente por causa da reservas que construiu ao longo dos anos, você sabe que muitos dos novos companheiros de trabalho iniciam agora a carreira e talvez te peçam ajuda para pagar as despesas mais imediatas? E você tem consciência de que a empresa tratará o assunto com normalidade?

Esta história poderia ser protagonizada pelo atacante Vagner Love, do Flamengo. O concorrente seria o Vasco da Gama. Neste espaço, são raras as vezes em que escrevo sobre futebol. No entanto, o futebol é termômetro de como a sociedade brasileira se comporta em vários aspectos da vida cultural.

Vivemos uma euforia induzida e nociva de que estamos prontos para sediar eventos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. A situação dos clubes cariocas, por exemplo, é apenas um micro-sintoma de como nos relacionamos de maneira amadora, promíscua e ingênua como este esporte.

Futebol não se limita a pagar um ingresso, sentar no concreto ou postar-se diante da TV com uma lata de cerveja na mão. Compartilhamos de uma ilusão oferecida por clubes à beira da falência, endividados até a alma e escravos de emissoras de TV, que ditam regras e comandam a organização.

Acreditamos, como crianças boquiabertas em loja de brinquedos, que podemos realizar uma Copa do Mundo com a infra-estrutura para prover uma vida decente depois do evento. Alguma obra já foi entregue? Muitas ainda adormecem no papel, um panorama de negligência e desfaçatez no qual a crise financeira dos clubes – não apenas os cariocas, que estouraram a tampa da panela – é um elemento que compõe a mentalidade do futebol nacional.

O irônico é que Santos também vende um clima de Copa como se nos fosse entregar um produto que não passa de um nome, sem embalagem, ingredientes, pontos de venda e até potenciais fornecedores. Infelizmente, este ufanismo virou comportamento adquirido de uma cidade que espera, espera, espera e se julga tão especial pelos potes de ouro ainda inexistentes.

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