Casa de velhos

Estive, nos últimos dias, numa clínica para idosos, para a elaboração de um relatório sobre pacientes com Mal de Alzheimer ou senilidade. Na verdade, enfermidades muito parecidas, mas a primeira entrou no jargão popular como sinônimo de esquecimento, das mais variadas intensidades. O nome, quem sabe pela origem alemã, dá maior valor à falha da memória.

A clínica, pela riqueza das histórias de vida espremidas em quartos e em pátios de recreação, indica – em seu pequeno universo – como a cidade caminha para o envelhecimento. Confesso que me sinto profundamente tentado a utilizar a palavra asilo, termo execrado pelo politicamente correto e por aqueles que acreditam que o vocabulário alivia a dor do isolamento, ainda que junto de outras pessoas em condições similares.

Somos uma sociedade rumo à velhice. Nada de idosos ou outras expressões. Santos é, em parte, uma cidade de velhos, e não se trata de usar a palavra com desdém ou de forma pejorativa. Apenas entendo que ela pode desnudar certas questões ainda mascaradas no convívio social.

Enquanto o Brasil tem 9% da população acima de 60 anos, Santos conta com 20%. Isso significa mais de 80 mil habitantes. A cidade atrai muitas pessoas, essencialmente de classe média, dispostas a vivenciar uma aposentadoria com conforto e serenidade. O município criou, ao longo das últimas duas décadas, condições boas para uma velhice saudável.

O problema reside quando a velhice não se torna tão tranqüila quanto o mar que visita a baía diariamente. Ser velho, estar doente e não possuir condições financeiras é sintoma de uma vida que assassina o descanso como recompensa. A República de Idosos, por exemplo, é um projeto pioneiro no país. Possui 42 vagas. Destas, 31 estão ocupadas. Dos quatro imóveis, três se encontram lotados. A casa da rua Silva Jardim abriga só três pessoas. As demais vagas não podem ser preenchidas por problemas de estrutura no imóvel.

Santos registrou o crescimento, nos últimos anos, no número de clínicas residenciais. Hoje, 33 estão cadastradas oficialmente na Prefeitura. Somente três têm convênios com a administração municipal e recebem pessoas de baixa renda, ou seja, até dois salários mínimos mensais. As mensalidades nas clínicas variam de R$ 1500 a R$ 4500 por mês, valores impensáveis para quem sobrevive de aposentadoria – quase uma gorjeta – do Governo Federal.

A previsão, para os próximos 20 anos, é de aumento acelerado na população acima de 60 anos. O Brasil atingirá a marca de 20% de idosos. E Santos, como ficará se já alcançou tal índice? A expectativa de vida, por sua vez, chegou aos 74 anos no país. A implicação imediata é a velhice e a aposentadoria prolongadas. Se não houver planejamento, a classe média continuará sorrindo nos filmes institucionais, enquanto os escravos da Previdência vão mendigar por vagas em instituições.

Independentemente das políticas públicas, é fundamental redimensionar a relação da nossa cultura com os mais velhos. Mantê-los ativos em sociedade significa assegurar a última etapa da vida com humanidade. Para isso, é preciso reler a ideia de descartar pessoas como objetos. Esquecer o outro pode ocorrer com luxo ou como um latão de lixo na calçada.

Uma observação: o título deste texto é “emprestado” da reportagem de mesmo nome, publicada pela jornalista Eliane Brum, na revista Época. Compartilho da ideia de que nomes bonitos e leves não amenizam a dor e o sofrimento de quem viverá internado até o final da vida.

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