Nós, os corruptos

A absolvição de Jaqueline Roriz escandalizou pela vitória da corrupção no Congresso Nacional. O desfecho desta história aumenta a pilha de sujeira que mancha a instituição e a torna mais impopular perante a opinião pública. Mas, desta vez, o contexto é outro: serviu de gatilho para protestos contra a postura dos políticos. Milhares de pessoas, em várias capitais brasileiras, marcharam pelo fim da corrupção. E pouco importa se muitas delas não sabem dos detalhes nos palácios do cerrado.

A reação funcionou como primeiro passo diante da ausência de limites dos engravatados de Brasília. As marchas não foram organizadas por partidos políticos. Brotaram nas redes sociais, fator bastante comum nos últimos meses, para as mais variadas causas. A maioria dos manifestantes creditou a corrupção como um comportamento exclusivo de políticos. Nada fora do normal, porque conversa e conclusão semelhantes acontecem na sala de jantar, nas padarias e nos botecos. Aí se esconde a máscara.

É preocupante crer que a corrupção se caracteriza como uma doença distante, que contamina e apodrece instituições em um reino fora da realidade. Os políticos são efetivamente representantes e reflexos da sociedade, seja pela decepção, seja pela atmosfera de impunidade que respiram. Eles podem nos parecer inalcançáveis como fonte de poder, mas lembram – como espécie - cada vez mais cópia escarrada de muitos cidadãos comuns.

A corrupção se alojou em todos os níveis sociais. Tão promíscuo quanto a deputada gravada recebendo propina são os deslizes diários, nas relações cotidianas. Proporção financeira ou status não alteram o escorregão ético. Estamos acostumados em achincalhar a classe política como um elemento externo, enquanto fazemos vistas grossas para os favorecimentos e privilégios que acontecem dentro do quintal.

O jeitinho brasileiro é valorizado como uma característica peculiar, positiva dentro de um pacote de criatividade e improviso. Na burocracia, aceitamos com relativa passividade a ideia de que ter dificuldades é inerente à venda de facilidades.

Criticamos e elogiamos leis que combatem o nepotismo, mas somos cínicos quando separamos o público e o privado para criar dinastias particulares, por exemplo, no ambiente de trabalho. Na política miúda, uma visitinha ao gabinete de qualquer vereador – você se lembra em quem votou há quatro anos? – mostra que muitos eleitores os procuram para pedir emprego, jamais para cobrá-los pelas funções do cargo.

Encaixar alguém no serviço público vira moeda de troca entre o parlamentar e seu voto em corpo de gente. E depois reclamamos que a máquina vive inchada, numa hemorragia contínua. Eleitores alegam que políticos são assim mesmo, habitantes da lama, e que por isso os abordam apenas por coerência com o histórico de atitudes.

A descrença no modelo pode nos conduzir a reproduzi-lo e a gostar de praticá-lo. Criticamos a meritocracia quando ela não nos beneficia. Temos dificuldades de pensar coletivamente e caímos na tentação de abrir a porta que resolve o problema. O imediato como sinônimo do individual.

Protestar contra a corrupção é exercício de cidadania, mas ainda atado a um alvo genérico. Combater a politicagem na casa do vizinho é saudável, só que implica em limpar a própria sala antes. Estamos prontos para cortar fundo a própria carne?

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