Estive por três dias em Atibaia, no
interior de São Paulo. Mesmo
considerando a diferença de tamanho entre Santos e o lugar em que visitava, não
deixei de notar a contraposição entre as praças daqui e de lá. O olhar foi
reforçado porque, antes de viajar, conversei com uma amiga sobre a metamorfose das
praças de Santos.
As praças da cidade perderam o papel
original. Viraram locais de passagem, sem espaço para reuniões, políticas ou
não, sem ocupar a rotina de vizinhos que se encontravam para dividir os fatos
do dia e observar ou vigiar as crianças que aproveitavam o bate-papo dos
adultos para correr e brincar.
As praças eram pontos de encontro para
discutir problemas do bairro e serviam como um jornal oral de informações
locais. Funcionavam como referência para os acontecimentos de uma comunidade,
para apoio mútuo contra os problemas cotidianos. Até centro de fofocas e maledicências
apimentavam a história de pequenos grupos de moradores.
Hoje, as exceções reforçam a saudade de um
período que caminha rumo ao cemitério. A praça da Independência, por exemplo,
abrigou estudantes que gritavam pelo final da era Collor. O lugar, atualmente,
só fica cheio quando torcedores resolvem celebrar conquistas da seleção brasileira
ou do Santos.
Em bairros da Zona Noroeste e dos Morros,
ainda é possível vivenciar as praças do século passado. Mas são ocasiões que
tendem a rarear por causa da expansão imobiliária e de outras feridas sociais,
como a violência urbana. Será que apenas o modo de vida mudou?
Na Zona Leste, as praças se tornaram
manchas na paisagem. Algumas são mantidas por empresas que, preocupadas com a
boa imagem ligada ao meio ambiente, as conservam. Outros endereços, como a
praça Palmares, reúnem jovens em torno do skate e do movimento hip-hop,
cansados de reclamar e de pedir por melhorias no local.
As praças de Santos, em sua maioria,
perderam as flores. Têm alguma área verde, mas sem o colorido que alimenta a
vida nestes espaços. E sem o essencial para a sobrevivência delas: gente! Numa praça,
por exemplo, na Ponta da Praia, cheguei a testemunhar um casal tocando violino
para ninguém, na escuridão de um lugar mal iluminado, mas decorado com bancos
de madeira para a fotografia de cartão postal.
Ao visitar Atibaia, pude perceber uma
cidade onde as praças representam o modelo inverso. Ali, a vida pulsava a
qualquer hora do dia, inclusive como passagem, porém mais lenta, retardada por
um boa tarde, um aperto de mão ou por um papo de cinco minutos sobre o jogo do
time preferido.
Durante a viagem ao interior, outra amiga
resumiu a diferença entre as escolhas feitas pelas duas cidades:
— Aqui, no interior, as praças são para
ficar. Em Santos, as pessoas só passam por elas.
Hoje, muitos moradores de Santos ainda
freqüentam praças, mas o modelo privatizado, cercado de restaurantes fast-food
com suas comidas franqueadas. É possível vivenciar também encontros em locais
que, vagamente, parecem praças, onde se multiplicam grades, câmeras de
vigilância e homens de uniforme. As praças, ou espaço gourmet, assumem a
máscara do consumo e o estilo de vida no qual se reunir é isolar-se.
É melancólico assistir à transformação de uma cidade, que sonha com ares
cosmopolitas, enquanto reforça o sangue bairrista e as roupas provincianas. Neste
sentido, o ar interiorano soa, para os falsos modernistas, como cenário
ultrapassado, à espera do crescimento selvagem e sem limites.
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