A agressão a pai e
filho, como se fossem um casal homossexual, em uma feira agropecuária, na
cidade São João da Boa Vista, interior de São Paulo, pode ser vista como dano
colateral. Descartando a frieza da expressão de origem militar, o fato é que
testemunhamos uma guerra não tão silenciosa, que perdeu o gelo como
característica e que, acima de tudo, inseriu sem volta a homofobia na agenda
pública.
O preconceito contra a opção sexual sempre teve como
alicerce, evidentemente, valores culturais. Entre eles, o machismo, que
persiste como elemento-chave para a compreensão das relações na sociedade
brasileira. E todo embate cultural se transforma em ato político.
O que vemos, hoje, é o passo seguinte. O ato político ganhou
as vias jurídicas e as instituições político-partidárias, por essência. As
consequências do preconceito sexual alcançaram o topo da cadeia, balançaram a
torre de marfim dos poderes que, por força do hábito, caminham de costas para o
cotidiano social e suas dificuldades.
Quando o poder chacoalha, a liga da discriminação se vê
obrigada a colocar o exército na rua. O silêncio vira gritaria. Os gritos, quase
sempre desprovidos de argumentos, se escondem atrás da violência, seja física
ou psicológica.
Colocar a violência contra gays em debate faz com que os
preconceitos também saiam do armário e contradigam as palavras do sociólogo
Octavio Ianni. Ele dizia que o brasileiro tinha preconceito de ter preconceito.
Às claras, a falta de civilidade e o moralismo não conseguem mais se esconder
sob o manto do politicamente correto.
O embate, deste modo, foi redesenhado como batalha
campal, seja via microfones, lobbies, bancadas eleitorais ou nas ruas das
metrópoles. Entraram em curto-circuito ideias como associar a opção sexual a
doenças, criminalidade ou vagabundagem.
As
mudanças culturais em curso passaram a exigir das famílias esforços maiores
para evitar o assunto na mesa de jantar ou para esconder o integrante com “desvio
de caráter” dos amigos e parentes. Ainda que seja para dialogar em terceira
pessoa, as pessoas precisam fazer escolhas, mesmo que seja não se posicionar de
forma clara e direta. A omissão do silêncio tende a morrer diante de fatos que
teimam em se amontoar à soleira da porta.
A extensão dos direitos dos casais heterossexuais para os
casais homoafetivos serviu como divisor de águas para esfregar o problema numa
parcela da sociedade, cínica em fingir ou diminuir uma fase de transição
latente. A bancada da bíblia, que luta para misturar moralidade religiosa com
questões sociais, saiu das sombras e colocou na linha de frente soldados
suicidas como o deputado federal carioca Jair Bolsonaro, ícone de muitos grupos
no país.
O momento atual do jogo de estratégia é desatar o cabo-de-guerra
que envolve a votação do projeto de lei da criminalização da homofobia. A
proposta, muitas vezes, é colocada no mesmo patamar do crime de racismo, no
sentido de aprovação por tabela. São contextos diferentes, de raízes históricas
diferentes, com formas de manifestação distintas.
Criminalizar a homofobia reforça a vitória das linhas que
defendem a bandeira da diversidade, mas talvez seja prejudicial como significado
das conquistas dos direitos civis. Tenho dúvidas se não seria a aceitação à
força, com sobreposição criminal. A violência contra gays pode e deve se
enquadrada na legislação em vigor. Respeitar o olhar do outro não reside em
parir novos artigos jurídicos, e sim na aplicabilidade dos que existem e no
combate à sensação de impunidade.
A arma mais vigorosa não se encontra na letra jurídica. A
resposta começa a aparecer nos produtos culturais, nos conteúdos da indústria
de massa que – bem ou mal – invadem a sala dos preconceituosos e dos
simpatizantes. Personagens gays se multiplicam pelas novelas, numa aproximação
com a realidade cotidiana, ainda que conectados – eventualmente - aos estereótipos.
O jornalismo de opinião passou a complementar as
alterações no modelo de cobertura de casos de violência urbana, como a história
dos jovens agredidos com lâmpadas fluorescentes na avenida Paulista ou neste
episódio da feira agropecuária. Neste caso, o juízo de valor parece aproximar o
jornalismo da prática cidadã (palavra tão desgastada nos dias atuais). Até a
parada gay começou a ser tratada como ato político, no qual os jornalistas
compreenderam que as alegorias e a picardia estão à serviço da crítica social e
do enfrentamento contra a perpetuação do preconceito.
Os casos de violência, por tristeza, vão se repetir,
independentemente do tamanho da cidade, da oportunidade política ou dos valores
culturais vigentes. O que se espera é que estes danos colaterais – com o perdão
da expressão - exponham a selvageria dos animais que resistem à convivência com
quem pensa e age de outra maneira. Punir com rigor é parte do caminho, neste
aspecto, para a redução do preconceito e para o crescimento civilizatório, se é
podemos nos ver assim no espelho do passado recente.
Comentários
Mais uma vez, sua análise foi perfeita!
Um grande beijo.
Esses casos de agressão motivados por homofobia sempre existiram, e sempre existirão. Felicita saber que cada vez mais o estado têm reconhecido os direitos dos gays, apesar de no Brasil, esse reconhecimento andar a passos lentos (a equiparação dos direitos civis na Colômbia, por exemplo, foi aprovado em 2008, aqui, só há pouco mais de dois meses) e nosso Congresso viva em estado de inércia em relação aos direitos LGBT.
A lei que pretende criminalizar a homofobia, a meu ver, não vai mudar nada. Como citado no texto, já há como criminalizar agressões, mas, vai sim, reafirmar a força que os grupos homossexuais têm.
Casos como esse, infelizmente, continuarão atraindo a tenção da grande mídia (não só porque se 'descobriu' que há gays e lésbicas no Brasil, mas também porque eles têm um grande potencial consumidor, e porque declarações 'polêmicas' como as do 'grande' deputado Jair Bolsonaro dão pontos a mais de audiência e vendem capas de jornais e revistas).
A mudança só virá mesmo, com o amadurecimento de nossa arcaica, intolerante e hipócrita sociedade, com uma mudança cultural, e principalmente, quando dogmas religiosos forem deixados de lado, coisa difícil de acontecer, visto que o texto do PL 122 foi mudado para 'garantir a livre manifestação de pensamento' dentro dos templos religiosos, caminho livre para que ditos 'pastores' sabedores dos bons costumes vistam a batina da moral e continuem prefetizando a seus 'rebanhos' a homossexualidade como 'do diabo' ou como doença que precisa ser exterminada.