Esqueci o autor, mas não o elogio. O melhor que recebi
por um texto era terno, direto, de reconhecimento imediato. Chocou-me com cinco
palavras:
— Você escreve com alma feminina!
A paralisia não aconteceu pela
ofensa. Sem que eu soubesse, fui atingido por um disparo certeiro, mas sem
premeditação. O atirador, que quis somente me agradar, talvez não tivesse plena
consciência de onde ficava a bolinha vermelha do alvo. Ignorava o impacto de
tamanha generosidade.
Nem eu sabia! Jamais imaginaria que
a alma feminina seria minha busca como autor. Jamais perceberia que a expressão
“alma feminina” traria consigo uma série de qualidades inerentes à criatividade
humana. Simbolizava a humanidade em nível estratosférico.
Alma feminina remete à
sensibilidade, se veste de serenidade, incorpora acolhimento, observação e
percepção única do mundo. As mulheres acolhem melhor, protegem como doação e se
sacrificam quando sentimentos e emoções são postos à mesa, sejam circunstâncias
rotineiras ou crise com perspectivas insolúveis.
O elogio me levou a constatar o óbvio,
como qualquer homem inundado pelas próprias fraquezas. Estou cercado por
mulheres. O lado bom da visão tardia é a chance (persistente em se fazer ouvir)
de compartilhar a graça recebida. Estou rodeado por elas talvez pelas minhas
escolhas, provavelmente pelas respostas nos relacionamentos que me levam a
renovar o fôlego dos encontros e a minimizar os equívocos, algumas vezes
adiados.
Mais do que as presenças redundantes
de mãe, irmã, filha, namorada, as mulheres estão a meu lado na maior parte de
minha existência. Escolhi profissões dominadas por elas. Convivi com grupos de
jornalistas compostos por mulheres na totalidade. Olhares peculiares sobre os
fatos, os personagens e suas histórias. Ensinaram-me a enxergar com os olhos, sem
se dar conta de que o faziam. Por ranços culturais, o único homem era o chefe,
atual testemunha destas linhas escritas.
Dou aulas em cursos onde elas
controlam o espaço e reagem com mais competência, via de regra. Os dois últimos
cursos em que me matriculei são pilotados por elas. O domínio e o controle
acontecem como se fossem processos naturais, sem que o cerco ocorra pela força.
A persistência é muda, quando esbravejam para demarcar território. Não há
cerceamento. Há envolvimento. Não há truculência. Há diálogo.
Conviver com mulheres ajudou-me a
entendê-las? A frágil sensação de maturidade me empurrou para o inevitável.
Desisti de tentar! A curiosidade não morreu; apenas entrou em período de
hibernação depois de compreender que a sabedoria freudiana seria útil. Foi uma
das poucas decisões sensatas que tomei na vida. A aura de mistério que esconde
e toca a feminilidade é o combustível que nos aproxima delas. Pelo cheiro. Pelo
olhar. Pelos jogos de sedução. Pela afetividade.
Mulheres são instáveis? A
contradição é inerente à condição feminina? Não tenho a mais vaga ideia do que
seja “condição feminina”. Presunção de quem tenta defini-la ou enquadrá-la em
rótulo.
A expressão, utilizada de maneira
vã, só reforça o argumento masculino de que elas são instáveis e contraditórias.
Para compensar, é vital reconhecer que tais características também sobrevivem
escondidas na virilidade de cristal dos homens.
Talvez as mulheres exponham com
maior risco sua instabilidade, seus paradoxos, suas idas e vindas. Os homens,
cegos e surdos pela falsa imagem de força, fracassam ao mascarar o que julgam
como defeito. Padecem de burrice ao quadrado, pois não visualizam como defeito
a virtude e insistem em fazer birra para admitir isso, como criança mimada na
frente dos pais em corredor de supermercado.
Uma amiga sempre me diz que prefere
construir amizade com homens. As mulheres, para ela, são chatas, melindradas e
competitivas. Uma visão aceitável. Trata-se de uma mulher falando de outras,
adversárias ou não. Quando isso acontece, mantenho a segurança do silêncio.
Concordar ou discordar me conduzem à mesma encruzilhada. Provoco uma reação
corporativista, de 180 graus.
— Quem disse isso? As mulheres são
muito melhores.
Aprendi que o desfecho sempre
resultará na minha derrota. Perco porque concordo com a competitividade
particular das mulheres. Homens também concorrem entre si. Talvez a diferença
resida em reconhecer a agressividade da competição.
Perco também se aguço o espírito de
corpo das mulheres. Elas continuam cobertas de razão. Elas são melhores, sem o
sentido de que melhores estabelecem, no outro lado, os piores. Estes, claro,
seriam os homens. A comparação é tão burra quanto crer na onipotência
masculina.
Mulheres são melhores no sentido de
excelência. Capacidade de nos ensinar. Competência em nos amar. Eficiência em
nos entender e nos apontar o quanto cultuamos a idiotice. Talvez pequem por
recitar a mesma lição várias vezes. Homens não escutam. Absorvem por acerto e
erro, se é que ali brotou um erro, e não um deslize, termos distantes na visão
masculina.
Apenas um ponto me incomoda a esta
altura. Deveria ter escrito sobre elas antes. Sinto-me, de certa forma, como se
pagasse uma dívida por obrigação, uma prestação em loja de departamentos ao
escrever sobre as mulheres numa data comemorativa. Talvez seja pelo fato de que
datas assim só existem para os dominados. Talvez porque pressuponha que um dia
de exceção confirma o controle do outro no restante do ano.
Peço desculpas pelo pessimismo, por
eventuais injustiças ou por não fazer jus ao elogio. Jamais pediria clemência
pela dívida com vocês, mulheres. O débito é de longo prazo e auto-renovável,
não importam as oscilações da economia, a taxa de juros ou a variação de humor
do credor, ainda que ele sofra (e me persiga), mensalmente, por causa da TPM.
Comentários
Grande beijo!
Pensar com o coração pode trazer resultados melhores que pensar com a razão, mas sem passionalidades.
Querendo ou não, elas sempre foram nossos oráculos, seres superiores que nos conduziram de alguma forma para que não perecêssemos cedo.
Deram-nos cordas para nos enforcarmos e, espere e verão, vão dominar e melhorar este planeta.
Glória a vós, Mulheres... e que Deus nos proteja.
Beijo Grande!