Promessas e pedidos

Ele esperou pouco mais de um mês para começar com as cobranças. Ela ainda estava no lucro porque, em pensamento, ele havia programado 30 dias de sobrevida para atacá-la com palavras duras. Arrumou algumas desculpas como final de semana e volta às aulas para adiar o cerco e a guerrilha. Mas precisava exterminar, de vez, o festival de promessas.
Aí residia o problema entre eles. O marido não suportava mais as promessas de reveillon. Chegou a repensar o casamento em um momento de irritação. A esposa mentia mais do que político em discurso de posse nas festas de final de ano.
A lista crescia conforme a ingestão de álcool se prolongava. Na hora da virada, ninguém mais conseguia decorar tantos desejos, tantos clichês de uma vida coerente com capa de revista de celebridade.
Ela prometera tantas mudanças que as promessas ganharam promoção. Viraram juramentos, tamanha a convicção com que falava sobre os planos para 2011. Como os anteriores, este – nas palavras dela – seria o ano. O ano inesquecível, dos novos rumos, de novos projetos em prática. Na opinião dele, a esposa só precisava do palanque e do megafone para completar o pacote do comício. Ah, e o terninho para se parecer com deputada.  
O sujeito estava escaldado. Nos últimos oito anos, as promessas cresciam na proporção em que se multiplicam nas bocas dos candidatos com a proximidade das eleições. Muitas delas eram repetições de farras anteriores, devidamente apagadas com a ressaca. Ou negadas na primeira discussão. Onde estariam as provas de que ela disse tal absurdo? Atos impraticáveis para uma mulher centrada, sempre focada em suas habilidades e limites.
Ele já previra este discurso de guru de administração. Ou de manual de auto-ajuda. Como também sabia que ela começaria vários projetos, que morreriam antes da segunda semana. Muitos se encaixavam nas promessas de segunda-feira. Morte certa na terça.
Por isso, as cobranças seriam diretas, sem permitir divagações ou negações. Anotara – escondido em três guardanapos - todos os delírios.
A lista tinha dez itens. De academia de ginástica à viagem para Campos de Jordão. De curso de yoga a aumento na freqüência semanal do sexo. Promessas variadas, ecléticas para uma pessoa só. Factóides em demasia para um casamento com as artérias entupidas e a glicemia acima do limite.
Ele considerou seriamente a hipótese de registrar a lista em cartório, mas achou que abriria a porta para outra crise. Era sua esposa, apesar dos surtos parlamentares. Ela poderia alegar perseguição, e as cobranças ficariam estéreis. Até porque não tinha expectativa de que a dezena de itens seria cumprida. Metade seria surpreendente. Um terço, coerente. Duas promessas, a evolução de quem nunca as cumpriu.
Ele sabia que fevereiro era o momento do ataque cirúrgico. O Carnaval era no mês seguinte. Assim como boa parte do país, ela adiaria as promessas para depois da folia. E criaria outras tantas para compensar a culpa do novo período de excessos.
Esperou pelo final de semana. Aproveitou o ambiente de bom humor e tocou no assunto. Era sua única promessa: cobrar as promessas dela e torná-la sua imagem e semelhança.
As reações eram de quem lidava com a perda, com a morte eminente. Negou tudo. Explodiu de raiva. Negociou os termos do acordo. Caiu em lágrimas. E se resignou. As reações deles eram de quem se esquecera de que, no réveillon, valem mais os pedidos do que as promessas. Pular sete ondas, conversar com Iemanjá, comer romã e acender uma vela ao anjo da guarda. Fora a sopa de lentilhas antes da ceia.
Em todos os rituais, ela queria somente uma coisa. E aproveitou as cobranças para comunicar onde e quando as promessas seriam materializadas:
— Eu tenho outra pessoa. Vamos morar juntos. Saio de casa amanhã!  

Comentários

Unknown disse…
Tá ai um filme que já rodou!!! Os personagens ficaram rebobinando e regravando, mas sabiam o roteiro, o final e o desfecho!!! Ninguém teve a coragem de assumir a direção das cenas, adiada demais!! Até promessas desgastam...rs...imagina a paciência e a inteligÊNCIA quando questionadas!!!