O menino-monstro - Parte 2

Um professor, amigo de muitos anos, reclamava como a relação dos pais com a escola havia se deteriorado. Ele se referia ao caso de um aluno que fraudara a prova de História e cumprira três dias de suspensão das aulas. Os pais, cientes do erro cometido pelo filho, foram à escola se queixar de que o adolescente tinha sido o único punido.

Os pais pediam que a punição fosse estendida ao professor. Afinal, na visão paterna, o professor era co-réu porque não percebera a fraude. O adolescente, por sua vez, comentava com colegas – no pátio e nas redes sociais – que saíra no lucro. A punição foi leve demais.

Lembrei-me desta história quando soube do desfecho da queda-de-braço entre Neymar e o ex-técnico do Santos, Dorival Júnior. É claro que muitos interesses permanecerão nebulosos e que especulações e acusações cercarão todos os envolvidos. Nestas horas, a verdade é a primeira vítima.

De fato e de direito, o Santos acionou a corrente elétrica e deu vida ao Frankstein. O monstro ganhou vida e plenos poderes dentro do clube. Assim como na história de Mary Shelley, a maior vítima do delírio coletivo não é o médico, e sim o próprio Frankstein, que terá que carregar nas costas a irresponsabilidade do criador e sofrer todos os preconceitos embutidos nas cicatrizes que teimam em torná-lo horroroso perante os olhos da multidão.

Neymar, como escreveu Tostão na Folha de S.Paulo, tem 18 anos, é adulto e, portanto, responsável pelos seus atos. A queda do técnico Dorival Júnior apenas reforçou a postura de jamais negar desejos da jóia da coroa.

O atacante recebeu, neste semestre, um presente de grego: levar no lombo um time que se tornou igual aos demais depois da perda de Ganso, Robinho, Wesley e André. É parte do papel de quem deseja ocupar o centro do palco. O craque não é o egocêntrico, mas o perspicaz que explora a equipe em seu proveito e em prol dela mesma. Esta lição foi assimilada por Ganso, só que não foi apreendida pelo seu maior parceiro.

A questão, no momento, não é discutir se o ex-treinador fechará contrato com o São Paulo. Se isso acontecer, é contingência do mercado do futebol, que não prima pela transparência e pela ética. Por que Dorival ficaria de quarentena monástica? Para provar o quê?

A contratação pelo São Paulo será – é claro - uma cortina de fumaça para desviar os holofotes da diretoria do Santos, que resumiu o episódio à lacônica expressão “crise de autoridade”. Descobriu a crise agora?

Sofrendo da síndrome de marido traído, a diretoria do Santos assinou plenos poderes para o reizinho da Vila, ao mesmo tempo em que colocou um garoto de 18 anos à beira da fogueira da Inquisição.

O jogo contra o Corinthians se tornou um divisor de águas para a carreira do atleta. Se arrebentar, será endeusado e a tese da “crise de autoridade” se transformará em fato científico enterrado com discrição. Se Neymar for mal no clássico ou aceitar as provocações dos adversários, ficará sozinho, isolado com a culpa e pronto para o apedrejamento público.

Nesta bifurcação, a diretoria do Santos pensou em tudo, menos em proteger o jogador. Não pensou também na instituição. Agiu apenas por auto-preservação, com olhos para os dividendos financeiros da carreira do atacante. Benefícios de curto prazo, até porque o príncipe alçado à rei não tem tantos seguidores assim, como nos tempos de glória, no distante e recente primeiro semestre.

Neymar, que segue aluno mimado, foi bajulado pela escola e por seus pais (o clube e os verdadeiros). Sobrou para o professor, demitido por exigir a obrigação de um profissional.

O dono da razão ainda é desconhecido. O futuro da escola e do aluno depende dele mesmo, com um ano de carreira e somente um jogo pela seleção. Apostar se ele chegará ou não ao final do curso é exercício rasteiro de futurologia.

Comentários

Mari(ana) disse…
Adoro seus textos, Marcão.

Realmente, o jogo de hoje vai ser um divisor de águas. Há muito vem se falado sobre a irresponsabilidade PARA COM o Neymar e não DO Neymar. Desde muito cedo a expectativa sobre o menino vem crescendo mais e mais. Endeusaram-no e colocaram num altar. O menino não deixou de ser mimado e prepotente, porém é "milagreiro".
Agora só estão pagando o preço da "oferenda".

Abraços.

@manatrix
André Rittes disse…
É isso aí! Também comentei o assunto no meu blog, com algumas posturas diferentes da sua. Mas, a história é sempre a mesma: se dão asa à cobra, ela quer voar.