Promessa ao telefone

Texto publicado na seção Campo Neutro, do jornal Boqueirão (Santos/SP), em 21 de agosto de 2010, página 2, edição nº 803.

O celular tocou por volta das três horas da tarde. Era junho de 2008. Quando a candidata se identificou, pensei que se tratava de um trote. Como teria o número do telefone? Para que me telefonaria?

O motivo do telefonema era um texto publicado neste mesmo espaço. O artigo sustentava que a candidata seria o fiel da balança nas eleições para vereador em Santos. Mais do que ser a mais votada, ela poderia alterar a composição das cadeiras no Poder Legislativo.

A conversa durou cerca de 10 minutos. Entre agradecimentos e explicações de praxe, a promessa:

— Vou terminar o mandato. Garanto que não serei candidata à deputada em 2010.

Duas coisas não mudaram e tampouco surpreendem. A promessa da candidata foi mais um exemplo de retórica política. E a campanha para a Assembléia Legislativa, este ano, segue como um processo natural. Os 20 mil votos para a Câmara engrossaram as estatísticas sobre a história política do município.

A candidata não é a única política de profissão que larga mandato no meio do caminho. Infelizmente, tornou-se exercício recorrente entre os peixes de maior porte no aquário. Em Praia Grande, por exemplo, um ex-prefeito largou o mandato para ser deputado federal. Depois, abandonou o cargo em Brasília para ser administrador municipal novamente.

Divorciar-se à revelia do compromisso com os eleitores ganhou status de ação inerente ao processo político. Acontece em todas as esferas. Um candidato à presidência prometeu cumprir o mandato de prefeito da maior cidade do país e cansou da brincadeira, durante a gestão, para se tornar governador.

Os políticos, via de regra, contam com a complacência do eleitor quando colocam projetos pessoais acima das funções públicas. Abandonar o cargo durante o mandato não pode ser digerido como brinde do jogo. Soa como traição política. Em tese, o sujeito foi eleito para atender aos interesses de uma parcela da sociedade em uma área específica, durante um tempo determinado. Tempo e espaço não se separam. É o pensamento recorrente em qualquer democracia mais madura.

O mais nocivo desta história é que muitos dos candidatos permanecem em seus cargos, com todos os benefícios financeiros, em paralelo à campanha eleitoral. Quem acreditaria que o candidato — e político com mandato em exercício — seria capaz de separar as duas esferas sem utilizar uma delas para favorecer a outra?

Os candidatos que largam o barco no meio da viagem o fazem porque se aproveitam da irrisória cobrança que sofrem em suas funções, além das brechas de um sistema político que carece de reforma há décadas. E ainda têm a desfaçatez de dizer que um suplente dará conta do recado nos dois anos que restam.

Qualquer eleitor de primeira viagem sabe que, inclusive pelas distorções do sistema político brasileiro, são raras as pessoas que votam pelos projetos de partidos. Escolhemos as pessoas. Somos adeptos do personalismo político. Responsabilizamos ou idolatramos nominalmente os governantes. Até porque, ainda que alienados, muitos eleitores tem a dimensão e os limites daqueles com quem lidam. A maioria quase total dos partidos são legendas de aluguel, balaios ideológicos, balcões de negociações de empregos públicos e outras benesses do poder.

Independentemente do candidato que escolhi, sinto-me traído quando um representante da minha cidade, região ou Estado abandona o mandato no meio do caminho. Fica cristalina como a ambição pelo poder prevalece sobre qualquer preocupação coletiva. Uma reforma política, com eleições gerais a cada quatro anos, não resolveria. Mas, ao menos, esconderia os que traem com o sorriso no rosto, estampado em placas e cartazes.

Comentários

Anônimo disse…
Professor Marcus Vinícius Batista,

Hoje, o brasileiro acompanha o espetáculo do "cinismo eleitoral gratuito". Todos ofertam planos mirabolosos de salvação à pátria, quando, na verdade, querem desfrutar das benesses do poder. Na Baixada Santista, por exemplo, os eleitores estão cansados de ouvir promessas para a construção do VLT, ponte entre Santos e Guarujá, entre outros temas. Sem dúvida, a raiz dos problemas está na legislação eleitoral, que permite aos políticos mudarem de cargo a cada dois anos. Com isso, o Legislativo tornou-se o "trampolim" para o político galgar cargos mais expressivos na vida pública. Afinal, o "brasileiro tem memória curta" e o "eleitor é burro". Vamos ver qual será a resposta das urnas.
Felipe, obrigado pela leitura. Concordo com a análise sobre a legislação eleitoral. Apenas precisamos considerar que parte do eleitorado costuma votar a partir dos próprios interesses. Não há uma pureza coletiva no processo eleitoral. Grande abraço!!
Anônimo disse…
São Vicente é uma cidade com quatro vereadores eleitos que estão atuando como secretários municipais desde janeiro de 2009. Dá-se a impressão que eles não estiveram nas ruas do município pedindo votos aos eleitores para o cargo de vereador. Não há justificativa para desmerecer o voto do eleitor. Saudações aos leitores deste blog, Renata.