Cinderela ou abóbora?

Texto publicado na coluna O outro lado da bola, no jornal Boqueirão (Santos/SP), 07 de agosto de 2010, edição 801, página 7.

O Santos foi o time do semestre. E ainda ocupa o centro do palco, mas o encanto pode acabar com as 12 badaladas da igreja. O Santos está diante da encruzilhada, onde precisa decidir se dará um beijo no príncipe ou se virará abóbora; perdoem-me a ligeira distorção do conto de fadas. .

Vencer dois campeonatos em pouco mais de sete meses serviu para coroar o Santos como a sensação do futebol brasileiro. Quatro atletas na seleção brasileira também indicam a força de quem joga na busca obsessiva pelo gol. É o reconhecimento público dos espetáculos que o time proporcionou, principalmente na Vila Belmiro, mesmo com a fase de transição promovida pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

A própria seleção simboliza o primeiro alerta para as mudanças agressivas vindas do outro lado do oceano. Dois dos convocados deixaram o clube. As peças de reposição atravessaram períodos de instabilidade. Buscam a redenção no clube, assim como fez Robinho.

Temo pelo desmanche da equipe. Há vários casos na história recente que indicam a demolição de um time após convocações dos protagonistas e títulos conquistados. A janela européia ficará aberta até o final do mês.

Não sabemos se a diretoria vai segurar Neymar e Ganso. Qualquer aposta não escapa da especulação. A diretoria jogou palavras ao vento. Atletas e empresários, idem. No fundo, todos brincam com o tempo, à espera de flertes mais vantajosos. Atuar de forma convincente contra os Estados Unidos eleva as ações da dupla de moleques na Bolsa de Valores, de forma imediata. Pode-se chegar ao valor da rescisão contratual. Aí, a despedida em outro idioma.

Se outros atletas forem negociados, este time não passará por dois testes definitivos. Um campeonato longo, o mais duro que temos, com 38 partidas. E, em 2011, a Libertadores da América, o torneio mais complicado do continente e que carimba a história de clubes e jogadores. Jamais saberemos como este Santos se comportaria.

Depois de dois anos, o Santos deixou de ser a Cinderela, desprezada pelas irmãs da Capital. O time entrou no baile pela porta da frente, dançou como personagem principal a valsa no meio do salão. Roubou a cena. As irmãs, antes boquiabertas, se morderam de inveja da beleza daqueles passos.

Para desfilar pelo baile, Cinderela encontrou dois sapatos de cristal, que se encaixaram perfeitamente em seus pés. Calçados feitos sob medida, de confecção artesanal, exclusivos numa época em que predominam sapatos padronizados. Não é a hora de perdê-los para o primeiro aventureiro que sorrir com promessas de riqueza instantânea.

Desmontar o time nesta altura é exigir uma nova reconstrução no meio da estrada. Como refazer a casa se ela estiver sobre rodas? Há o risco, como outras equipes viveram (Corinthians e Palmeiras) nos últimos três anos, de se queimar uma geração de promessas, atirada aos leões sem as armas necessárias para a defesa.

O Santos tem o poder de dizer não, coisa rara no futebol atual. Basta que os dirigentes pratiquem a tão repetida mentalidade corporativa. Pensar no futuro do clube como instituição, e não como um instrumento para o mandato de dois anos. Segurar Neymar e Ganso passa por esta estratégia. Os dois podem ser negociados quando houver garantias de substitutos. Jogadores à altura para suportar, por exemplo, a Libertadores da América.

Vendê-los este mês é assumir que Cinderela foi mais uma moça ingênua, que viveu um conto de fadas. Tais histórias não costumam ter finais felizes fora dos livros infantis. Entre adultos, costumam valer os contos da carochinha ou os cantos da sereia.

Comentários

Unknown disse…
Vc esqueceu das charges dos contos de fada!!! Só pode ser isso!!! Piada!!
Excelente texto!!!
Mas é fato, continuidade?
Não o negócio é comercial mesmo!!!
Apaixonados são os torcedores, esses sim movidos pela emoção sempre!!
alano_luiz disse…
Excelente texto professor, e se encaixa perfeitamente num dos livros que acabei de lêr, Como o futebol explica o mundo, as suas colocações sobre o futebol dos meninos da vila enquadran-se pefeitamente no futebol globalizado, sem aquela coisa romantizada de quê o jogador vai ficar no clube até completar uma história. Bela analise desta contra situação do futebol brasileiro e seus talentos, saindo como as melhores frutas indo para a europa.
Unknown disse…
Bem poético... Gostei!!
E olha que nem sou fã de futebol...
Francisco Castillo disse…
Bem colocado. Mas acho que enquanto não endereçarmos o problema de "país colônia" - qdo o assunto é futebol - estaremos re-vivendo essa novela (de perder nossos principais jogadores) de 6 em 6 meses, em sincronia com as janelas de transferências da europa.

Temos que encontrar resposta para perguntas do tipo:
- POR QUE temos que vender nossos craques para fora ?
- POR QUE não estamos pensando e discutindo soluções para esse problema crítico de nosso futebol ?


Acredito haver soluções para esse absurdo e crítico problema em nosso futebol, mas vejo muito poucos jornalistas comentando a respeito e muito poucos torcedores se manifestando.

Talvez tenhamos nos acomodado ou resignado ao pensamento de "Ah... não tem com o brigar contra cachorro grande...a grana dos europeus fala mais alto".

Duas sugestões, e estou certo de que muitas outras idéias melhores poderiam surgir SE nos dispuséssemos a considerar soluções:

1.) Implementar legislação (se possível);
2.) Lutar dinheiro grande com dinheiro grande.

1 -- > Para um atleta abaixo dos 23 ser vendido ao exterior o governo brasileiro estipularia uma 'tarifa' (E$ 50 milhões, por ex.) a ser cobrada dos compradores ALÉM do valor cobrado pelo clube vendedor. Parte dessa tarifa poderia ir para o clube vendedor, e boa parte para a nossa decadente infra-estrutura futebolística (tornar estádios mais seguros e limpos, por ex.)

2 --> 'Dinheiro Grande'. Hoje alguns bilionários europeus e árabes possuem clubes na europa.
Por que não montarmos uma comitiva de dirigentes dos principais clubes brasileiros e apresentar uma proposta a sheiks árabes (ou outros investidores) e convidá-los a investir nos principais clubes brasileiros de modo que todos esses clubes possam pagar "salários europeus" e assim manter a maioria de seus principais jogadores atuando no país.

Com todos os nossos times grandes podendo contar com seus atletas principais, o campeonato brasileiro de futebol seria um dos melhores, senão o melhor, do mundo.

Bem, isso funciona pra gente, mas e para os sheiks colocando essa grana toda dentro do nosso futebol?

Como eles não poderão comprar clubes no Brasil, a proposta brasileira poderia incluir coisas do tipo:
- os árabes (e/ou outros investidores) poderiam comercializar os direitos de TV para o exterior - e é certo que, depois de alguns anos, após acostumarem-se com o alto nível de nosso campeonato, muita gente pelo mundo começaria a acompanhar nossos clubes;
- poderíamos oferecer escolas de futebol aos jovens daquele(s) país(es) - coisa que já acontece hoje, mas sem retorno para o nosso futebol;
- a pré-temporada de nossos clubes grandes poderia incluir jogos nos países investidores, inspirando a juventude local que assistiria jogos de alto nível.
- (outros benefícios que outras pessoas poderiam pensar/sugerir).

TUDO isso é claro estaria contingente a um contrato de 15 ou 20 anos, para evitar que tenhamos que re-estruturar nosso futebol em curto prazo.


Essas são só algumas idéias (possivelmente não as melhores), MAS temos que começar a discutir alternativas para deixarmos de ser "futebol colônia" e voltarmos a ter nossos melhores jogadores (ou a maioria deles) atuando em solo nacional.
Será excelente para nós torcedores, para os nossos clubes, para a nossa mídia esportiva, e notavelmente excelente para a nossa seleção.

Abraços,
Francisco (Kiko)
(Um Santista Contente ;-)
Kiko, ainda bem que há torcedores contentes e conscientes. Assino embaixo. O futebol precisa ser debatido além do campo das paixões. O desmanche não pode se manter como rotina duas vezes por ano. Grande abraço!!!
Francisco Castillo disse…
Grato, Marcus.

É, 'estou' "torcedor contente"... talvez a alegria acabe logo.

Infelizmente, a chance de desmanche no Santos antes da Libertadores é grande.

Seria legal tentar segurar pelo menos o quadrado de ouro (Wesley, Arouca, Neymar e Ganso) e mais o Marquinhos até 2011, mas, SE o Santos não encontrar alguns patrocinadores especiais, vai ser difícil competir com os salários europeus.

Bem, é torcer para que o Dorival e diretoria consigam recompor as peças perdidas de acordo...

Grande abraço pr'ocê também.

Kiko