A sombra, o espantalho e a samambaia

A definição dos candidatos à vice-presidência deixou claro qual é o perfil dos titulares ao comando do país. E como as alianças encaram o processo eleitoral. Engana-se quem pensa que o vice-presidente é mera figura decorativa. À primeira vista, o ocupante do cargo só serviria para substituir o chefe em caso de viagem, doença ou outro tipo de afastamento, temporário ou definitivo.

Ser vice-presidente é, de cara, ter rosto de moeda. Cara e coroa ao mesmo tempo. Corpo de barganha. Cheiro de acordos. Postura de negociação longe dos holofotes. Não se trata de uma questão personalizada, mas uma posição também rifada nos embates por cargos e poder.

O deputado federal Índio da Costa (DEM-RJ) é um caso clássico de baixo clero na Câmara. Um parlamentar de composição de bancada, em fase de aprendizado político. Chegou à Brasília em 2007 Antes, foi vereador no Rio de Janeiro. Virou representante do partido na chapa de José Serra.

Índio foi escolhido por suas qualificações e experiência? Claro que não. É o homem do Democratas numa aliança que vigora desde a década passada.

O candidato José Serra o conhecia? Segundo a imprensa, os dois se viram uma vez, em evento público. Índio da Costa terá voz ativa na campanha? Provavelmente não. Vai se limitar a repetir o discurso recomendado pela aliança. Se houver alguém interessado em ouvir suas considerações sobre o país. Para os adversários, nada diferente de uma samambaia no canto da sala.



Duvido que José Serra, um trator em corrida eleitoral, forneça campo de ação para o candidato a vice. Será uma conquista do Democratas, acostumado a ficar nas costas dos tucanos, que poderá permanecer na articulação política sem a exposição desnecessária e arriscada da vitrine. É a escola de política de Marco Maciel, que foi vice-presidente de FHC.

Há candidatos a vice que nasceram para este papel de articulação em silêncio, na conversa miúda. É o caso de Michel Temer, que acompanha Dilma Rousseff. A dupla é um mistério. Ela, por ser incógnita em eleições e, caso vença, no comando do Poder Executivo. Ele, acostumado a mandar prender e soltar dentro do Legislativo, enfronhado nas relações e nos conflitos entre partidos e bancadas.

Michel Temer é mestre em permanecer no poder, sem precisar beijar criancinhas, abraçar velhinhos e comer pastéis de feira. Temer é o mestre das sombras, em manter um partido multifacetado unido por um bem comum. Sem entrar no mérito do que o PMDB considera como bem. Quem acompanha política compreende este balaio de gatos, em âmbito federal!



O PT foi eficiente em costurar a candidatura à vice. Todos sabemos o preço que o partido – um dia dos trabalhadores – pagou para se manter no poder. O mérito é a velocidade em fechar (manter) as alianças, sem o desgaste que envolveu e atrasou a candidatura tucana. Assim como DEM, a vantagem do PMDB é a penetração no interior do país, principalmente em locais onde o PT não passa de coadjuvante.

Marina Silva tenta manter a coerência de terceira via, inclusive na candidatura do vice, Guilherme Leal. Ele, como presidente da Natura, seria uma tentativa pragmática de aproximar uma candidata com histórico no sindicalismo da classe empresarial, inclusive para a obtenção de recursos de campanha.

A estratégia funcionou até o momento, mas me parece insuficiente. As pesquisas indicam que Marina ainda é desconhecida da maioria da população. A candidatura, estacionada em torno dos 10 pontos percentuais, agrada a classe média dos grandes centros urbanos. E não vai muito além.

Até que ponto Leal poderá fazer diferença em um partido também cheio de facções e interesses, muitos deles particularizados? Um exemplo é a política de apoios do PV, que contradiz as decisões nacionais em vários Estados. No Rio de Janeiro, PV e PSDB se abraçaram em torno da candidatura Gabeira.

O executivo da indústria de cosméticos seria um espantalho, aparentemente inofensivo, porém nascido para assustar os desavisados que desconhecem os caminhos da colheita?

Guilherme Leal é um bilionário, bastante respeitado no mundo corporativo. Mas a política se desenha por outras canetas, de pontas mais grossas e tintas mais escuras. Segundo a imprensa, o vice de Marina está envolvido em denúncias de fazendas não-declaradas, com situação trabalhista irregular. Incêndios assim queimariam Marina?



Francamente, poucas chances até agora, pois o assunto permanecerá restrito aos círculos que já a apóiam. As informações, positivas ou negativas, não alcançam a massa eleitoral que praticamente ignora a existência dela, quanto mais do vice na chapa.

Nos últimos 25 anos, os vices ganharam um peso considerável na política federal. Um peso que talvez não desejassem ou esperassem. Sarney, outro mestre das sombras, virou presidente com a morte de Tancredo. Itamar Franco herdou a presidência após as sujeiras do caçador de marajás alagoano. Ambos deixaram de ser políticos regionais e, pelas circunstâncias, viraram protagonistas.

O vice-presidente atual, José Alencar, também é filho de costuras em Brasília. Um dos reis da soja, ele serviu para aproximar Lula do agronegócio. Encaixou-se como uma luva na política de progresso e crescimento a qualquer preço do atual presidente. É claro que os problemas de saúde o colocam no noticiário com maior freqüência do que por méritos políticos.

Como compensação, Alencar é visto como figura simpática – ainda que se conheça pouco sobre ele – para boa parte dos eleitores. O sofrimento e a dor provocam solidariedade de poltrona.

As distintas candidaturas a vice me levam a imaginar como seríamos governados por Michel Temer, Guilherme Leal ou Índio da Costa. Estariam prontos? Aventureiros? Fantoches de bancadas?

O jeito nefasto e pragmático de se conduzir as relações políticas no país me empurra para um momento de nostalgia não-vivida. E quando o Brasil tinha eleição para vice em separado? A história não aponta a ideia como saída, e sim como mais um exemplo de que as regras atendem aos interesses. O inverso é natimorto.

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