O enterro de Giovanni

Texto publicado na coluna O outro lado da bola, do jornal Boqueirão (Santos/SP), edição 800, 31 de julho de 2010, página 7.

A chance do título da Copa do Brasil, a vaga na Libertadores em mãos, e os quatro jogadores na seleção aliviam, mas não apagam a mancha. O Santos decepcionou ao deixar que um de seus maiores ídolos fosse embora pela porta dos fundos. Sem homenagens, sem despedidas, com mágoas.

Giovanni apanhou, como muitos, das curvas do futebol, mas não merecia as bordoadas que recebeu na Vila Belmiro. Levou um tapa como agradecimento, deu a outra face e foi esbofeteado de novo.

O time atual não é derivado do planejamento de longo prazo. Assim como a turma de Diego e Robinho não o foi. São equipes montadas pela força das circunstâncias, do caixa baixo, com garotos que aparecem de tempos em tempos, como pepitas que caem ao acaso na peneira do garimpo.

Giovanni chegou ao Santos em meados dos anos 90, no pior período do clube nas últimas duas décadas. Times desacreditados. 10 anos sem títulos. Jogadores de qualidade duvidosa que permaneciam poucos meses. Atletas em final de carreira. Freguês do São Paulo bi-mundial e do Palmeiras-Parmalat.

Giovanni liderou um time que quase se tornou campeão nacional. Qualquer palpiteiro de boteco se lembra do que este paraense fez contra o Fluminense, no Pacaembu. Giovanni é uma exceção. Elogiar o craque é apelo à redundância. Ele conseguiu ser jogador cultuado sem uma faixa no peito.

Com Giovanni, atletas do Santos voltaram a aparecer nas listas de convocações da seleção. Foi a uma Copa do Mundo, onde – infelizmente – o Velho Lobo o incinerou com a camisa amarela.

Quando retornou à Vila Belmiro, Giovanni tomou a primeira surra. Foi dispensado, sem grandes explicações pelo técnico Vanderlei Luxemburgo, em 2006. O passado de Giovanni foi atirado ao canto da História. Como sempre diz o homem das gravatas, assuntos internos. Explicação igual a zero.

No ano passado, o Santos terminou o Campenato Brasileiro em 12º lugar. Em 2008, na 15º posição, a um ponto da zona de rebaixamento. Dois anos ruins e a direção precisava de um ídolo. Giovanni se encaixava na tarefa. Também precisava da despedida digna.

As circunstâncias do futebol colocaram o craque em coma. Os garotos desabrocharam. Robinho brigou na Inglaterra e veio para a Vila, onde uma das mãos lava a outra.

Giovanni acabou, lentamente, encostado, como um brinquedo que não serve mais para aquela criança que se acha adulta. Jogou somente oito partidas. As alegações para ausência dele variavam. Entre as desculpas, de que poderia jogar somente 20 minutos. O que fazem, então, Zezinho, Madson, Zé Eduardo, entre outros? Gênios capazes de substituir alguém que enxerga diferente? Alguém que, por exemplo, enxergou Ganso antes de qualquer “entendido”.

Todos os envolvidos escondem a história. Ninguém assume a autoria do crime. Em público, apenas declarações politicamente corretas e sorrisos amarelos. Ficou mais fácil esquecê-lo.

O paraense é calado, discreto, de fala mansa e baixa. Jamais faria um escândalo em revistas de celebridades ou programas de TV. Giovanni preferiu ir para casa. Respirou, pela última vez, como jogador do Santos em 22 de maio, contra o Atlético-GO, em Goiás. Bem longe da Vila Belmiro, por ironia.

O contrato dele acabará esta semana. Mas o Santos o decepcionou. O clube enterrou Giovanni uma vez. Desesperado, o ressuscitou. Para sepultá-lo, definitivamente. Sem honras. Sem funeral. Apenas silêncio e omissão.

Comentários

Luís Alvaro disse…
Marcão, como dizia o bom e velho Fiori: "Ele estará guardado para todo o sempre, com carinho e sinceridade, no nosso cantinho da saudade".
E este "cantinho" separa os verdadeiros dos falsos ídolos.
Giovani, com certeza, é um dos que estará neste "cantinho" de todo santista e do amante do bem futebol.
abç.