Dinheiro no colchão

Muitos candidatos, na corrida eleitoral deste ano, ressuscitaram uma forma de investimento financeiro. Mais conservadores do que os adeptos da velha poupança, estes políticos declararam, na lista de bens entregue à Justiça eleitoral, que guardam dinheiro em casa.

Não se tratam de trocados para a pizza ou para qualquer emergência de saúde na família. São centenas de milhares de reais em casa. O candidato ao Senado Orestes Quércia (PMDB), por exemplo, declarou ter consigo quase 1,3 milhões de reais. O candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) guarda 160 mil reais em sua residência.

As declarações de bens dos candidatos são um exercício interessante no início da corrida eleitoral. Ali, o eleitor pode ver como muitos patrimônios incharam em quatro anos. O documento aguça os pensamentos especulativos, até porque a declaração não precisa se compatível com o Imposto de Renda e não inclui os bens dos parentes.

O patrimônio de muitos políticos passou pelo milagre da multiplicação além dos rendimentos em cargos públicos. Os políticos podem ter negócios paralelos (lícitos, é claro), mas a explosão de patrimônio gera sempre desconfiança.

Guardar dinheiro em casa não é ato de ilegalidade. Mas, em tempos de dossiês que flutuam e dólares que aparecem em lugares íntimos, cresce a necessidade de justificativa plausível para o eleitorado. O que vale é a comprovação da origem do dinheiro, tanto no âmbito legal como no aspecto da moralidade.

As justificativas para ressuscitar uma prática do tempo da vovó são variáveis. O delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz é candidato a deputado federal pelo PC do B. Ele declarou ter, em casa, 284 mil reais em dinheiro. Justificou a decisão por não confiar no sistema financeiro. A assessoria de Joaquim Roriz, em comunicado ao jornal Folha de S.Paulo, afirmou que o candidato usa os recursos para efetuar pagamentos nas fazendas dele.

Ter dinheiro dentro de casa é prática também entre os presidenciáveis. Dilma Rouseff, por exemplo, declarou guardar 113 mil reais. Com uma campanha orçada em 157 milhões de reais, não se espera que o dinheiro se usado na corrida eleitoral. Também é direito dela guardar os recursos próprios onde quiser.

Esta história me faz lembrar da época em que as pessoas tinham o hábito de guardar suas economias debaixo do colchão. A prática significava uma sensação de segurança sobre os valores. Só faltava dormir com uma arma embaixo do travesseiro para proteger o dinheirinho. Abria também margem para piadas sobre avareza.

Outros escondiam notas e moedas em latas de biscoito, que ficaram geralmente na cozinha, entre o sal, o açúcar e a farinha. Valia máxima de que o boi sempre engorda sob os olhos do dono.

O fato é que, diante da imagem negativa da classe política, o procedimento nada comum em tempos atuais provoca suspeitas que misturam inocentes e culpados de longa data. É, no mínimo, uma ação fora de moda, numa época em que prevalecem o dinheiro de plástico e a presença dos bancos na rotina financeira das pessoas. Isso é mais forte entre as classes mais altas, onde estão a maioria dos candidatos.

Para ilustrar a retomada da velha poupança caseira, o episódio contado por uma amiga. Ela e os irmãos foram mexer nos pertences do pai, um comerciante potiguar que acabara de morrer. Os filhos descobriram que ele escondia dinheiro tanto debaixo do colchão como em latas antigas de biscoito.

Por um momento, os irmãos alternaram entre a felicidade do enriquecimento e a surpresa diante do patrimônio extra. Até porque viviam com dificuldades naqueles dias. E continuaram com pouco. No colchão e nas latas, estavam guardadas notas tão antigas que saíram de circulação. Não valiam nada. Viraram combustível de fogueira.

Diante de tamanha concorrência, eu duvido que os candidatos queimem dinheiro assim tão fácil. Em campanha, desperdício é ofensa. O colchão, além de evitar pesadelos, garante mais do que um sono tranqüilo ao servir de agência 24 horas.

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