As lições dos argentinos

Texto publicado na coluna O OUTRO LADO DA BOLA, no jornal Boqueirão (Santos/SP), página 7, edição 797, 10 de julho de 2010.

Diante de uma rivalidade mais presente entre nós, é duro de admitir: os argentinos estão melhores do que os brasileiros. Uso o verbo estar porque sou esperançoso. Acredito que o futebol nacional poderá novamente superar a equipe sul-americana que mais se aproximou da arte nesta Copa do Mundo.

Os hermanos nos deram algumas lições, dentro e fora do campo, neste Mundial. Apenas temo que, pela arrogância que caracteriza nossa relação com o time de futebol, sejamos cegos, surdos, mudos e pernas-de-pau.

Os argentinos nos mostraram que, quando estavam atrás no placar, a única saída era continuar lutando. Com calma, sem chiliques nem violência. Nós optamos pelo dedo em riste, como fez Robinho diante do atacante Robben. Ou a entrada de Felipe Melo no mesmo jogador.

À beira do campo, outra diferença: enquanto Maradona apertava o rosário ou se abraçava a um reserva em via de entrar na partida, Dunga socava o banco de reservas. Sabemos que as reações e as palavras dos técnicos pouco interferem no andamento do jogo. Ainda mais com milhares de vuvuzelas nos ouvidos. Vale mais a conversa de vestiário. Mas os olhares entregam, expõem as inseguranças de um treinador.

No pós-jogo, os argentinos nos ensinaram elegância. O técnico Dunga saiu bufando. Maradona abraçou cada um de seus atletas, como havia feito nas vitórias anteriores. A coincidência sobreviveu no choro dos atletas, no campo, nas entrevistas, nos vestiários. Vivíamos de um discurso patriótico, fomentado pelo choque, pelo conflito, por raiva em palavras ríspidas.

As lições de esportividade dos argentinos apareceram ainda no mesmo dia. Nós, brasileiros, nos alimentamos da ideia de eternos donos da bola. A soberba que se baseia na nostalgia de um futebol-arte, presente hoje em jogadores-exceção, em times que duram pouco mais de seis meses, no máximo uma temporada completa. Santos é o mais recente exemplo.

A partir daí, a seleção nacional vive a obrigação de vencer sempre. Nesta lógica egocêntrica, os holandeses não venceram. Nós perdemos. E precisamos personificar os culpados. Felipe Melo, mesmo expulso com o placar definido, virou o vilão nacional. Não aprendemos com o erro histórico de crucificar o Dunga. Os pretensiosos fazem do erro a burrice.

Aliás, o técnico Dunga, alvo do preconceito que mistura o jogador e o técnico, se transformou em vidraça para aqueles que adoram dizer:

- Eu já sabia!

No momento da derrota, todos tem uma solução na ponta da língua. Sabemos o que deveria ser feito, quem deveria estar lá, clamamos por uma renovação cínica, que não reconhece que parte da estrutura permanece viva. Cinismo também presente na cartolagem, que não apontamos como co-responsável pelo fracasso. Cínicos são os cartolas que dão entrevistas como se não fizessem parte da delegação. Com a conivência de alguns seguradores de microfone.

Para os argentinos, aplausos e agradecimentos pela luta. Dez mil pessoas esperavam em festa pelos atletas. Perder para a Alemanha é tão normal quanto ser derrotado pela Holanda. Forças equivalentes, vários resultados possíveis. Assim são os galos fortes na rinha.

A equipe argentina foi convidada para visitar a presidência da República. Os governantes brasileiros, que adoram palpitar sobre tudo que não interessa aos cargos que ocupam, dão suas verdades absolutas sobre futebol. E engrossam o coro dos caçadores de bruxas. Será que desconhecem o peso da palavra?

Os governantes criticam a Copa do Mundo, mas mal conseguem colocar os primeiros tijolos a quatro anos do Mundial por estas bandas. E ainda seguem em trem da alegria para ouvir vuvuzelas in loco, na África do Sul.

Nas últimas partidas entre Brasil e Argentina, vencemos de goleada. Os vizinhos viraram nossos fregueses, dentro do campo. No restante, quem leva a surra somos nós. De civilidade. De senso de coletividade. De humildade.

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