A reunião (ou a brigada anti-futebol)

A sala dos professores, de qualquer escola, é um mundo à parte, onde vivem espécimes bem particulares. Nesta época, início de junho, eles tem basicamente três assuntos a conversar ou três reclamações a fazer, o que significam a mesma coisa.

A primeira é se queixar dos alunos, aqueles sujeitinhos indisciplinados, mal preparados e perturbadores. Na verdade, é uma choradeira o ano todo, mas que aumenta de volume agora por causa de provas, notas e afins. Ítem parte do pacote quando a pessoa vira professora.

A segunda é que o semestre está próximo do fim e, portanto, as férias esperam o bater do último sinal. Esperar as férias – óbvio – é um comportamento que nasce logo ao primeiro dia de aula. Também não seria uma pauta de conversas exclusiva deste período.

A agenda se completa com a Copa do Mundo. Aqui, os espécimes se dividem em dois grupos. O primeiro é dos que dizem não gostar de futebol, mas adorar a Copa porque podem ir embora mais cedo, descansar, coçar o saco, beber todas e assim por diante. A outra turma é dos técnicos de final de semana, com suas opiniões, teorias, críticas ao Dunga e conspirações para que a seleção ganhe ou perca o campeonato. Mas este grupo, claro, também está louco para fugir mais cedo e percorrer o mesmo caminho dos colegas beberrões.

Esta semana, naquela escola, a pauta das rodinhas ganhou outro ponto: a reunião. A coordenadora de um dos cursos proclamou em decreto: o encontro para balanço do semestre acontecerá na próxima terça, às 15h30. Dia e hora da estréia do Brasil na Copa do Mundo, lembraram os condenados (e subordinados).

Não há medida mais impopular. É o pedido público para colecionar inimigos até a próxima Copa, no mínimo. Entre os convocados, palavrões em voz baixa. Entre os dispensados, muitos risos e poucas lamentações solidárias.



Quando informada sobre o jogo do Brasil, a professora respondeu com convicção:

- O futebol não paga as nossas contas.

Quem consegue pagar as contas em dia, hoje em dia? Se qualquer tipo de diversão estiver associado à disciplina dos boletos bancários, datas de vencimento e débitos em conta, seremos fortes candidatos à internação no manicômio mais próximo. E, por lá, dizem que os moradores são loucos por Copa do Mundo.

A professora não correrá o risco de ficar sozinha. A justificativa dela é que muitos colegas terão que cumprir expediente na escola, ainda que os alunos tenham sido dispensados.

- Já que vocês estarão aqui, né?

E ela não está sozinha na cruzada anti-futebol. Outro professor reclamava dos bolões. Na visão dele, “como podem as pessoas apostar dinheiro em jogos de futebol”? A indignação cresceu quando viu o aparelho de TV instalado no pátio.

- É para desviar a atenção do trabalho. Só pode!

Logo ele, que toda sexta-feira faz a fezinha na Mega Sena, louco para comprar aquela casa na praia e designar um advogado para assinar sua rescisão de contrato. Tamanho o trauma da sala dos professores.

Do bolão, não fará parte. Mas estará em outra reunião de trabalho, marcada em casa com os amigos. Dá trabalho colocar a cerveja para gelar e deixar a picanha no ponto. Sobre a Reunião, ele não ouviu falar, desconhece os envolvidos e xinga quem diz que viu o nome dele na lista.

Não gostar ou não entender de futebol é perfeitamente plausível. Muitos “torcedores de Copa” aproveitam a ocasião para uma série de confraternizações em que a partida faz mera figuração.

Outros aproveitam para se isolar do planeta. Ou, como um grande amigo, que aproveita para trabalhar. Ele não gosta de futebol ao ponto de se aproximar da ignorância absoluta. Sabe, por exemplo que Robinho e Kaká existem, mas nada além de que chutam uma bola pelo Brasil.

Em tempos de Copa, basta procurá-lo no trabalho. Orgulhoso, ele garante que se sente mais produtivo nos jogos do Brasil, quando a empresa está silenciosa, vazia, o telefone não toca, ninguém o procura para resolver problemas que poderiam ser resolvidos depois. Ele veste a camisa da empresa, sua seleção preferida.

Suas escolhas, penso eu, devem ser respeitadas. É uma decisão de quem vai para o sacrifício, como um exército de um homem só, um kamikaze que dará a própria vida por uma causa, por uma batalha pessoal.

É diferente da coordenadora, que pretende montar uma brigada anti-futebol na hora do jogo do Brasil. Por que tamanho ódio pelo futebol? Ou seria pelos colegas? Amargura de si mesma? Seria ela nascida na Argentina?

Observação: Em ano de eleição e de Copa do Mundo, muitos prometem vitórias e mudanças. É o caso deste blog, que promete cobrir o Mundial de Futebol do posto avançado caiçara, no litoral de São Paulo. Quais jogos vamos cobrir? Nenhum, até porque os gols são meros detalhes, como disse certa vez um técnico de futebol. Valem os personagens, com gols ou de jejum.

Comentários

Unknown disse…
Fala sério!!! Muito boa!! Mas o que vale mesmo é a discussão do passe, do erro, do gol, eu diria até que a unanimidade, e uma vez que ela é burra, o mundo aceita o título nesses 30 dias. Ninguém fala de outra coisa, e ir contra a maré como diz o bom caiçara é procurar encrenca!!! Melhor deixar todo mundo feliz!! Como vc bem disse em ano de eleições e copa do mundo, o assunto mais importante torna-se secundário diante da paixão brasileira, ou mundial? Essa professora com certeza garantiu boas inimizades até mesmo com o porteiro da facul. Rs. Boa Copa!!
Rafael Oliveira Alves disse…
É a contracultura do futebol em plena sala de professores!
Vamos torcer para esse imaginário dar à luz a um novo Jack Kerouac, que manterá "On the road", essa mesquinharia intelectual e falta de sensibilidade para com a realidade, mas o cenário é tão pobre e sem recursos que parece-me imposível.
Mais uma vez, excelentes palavras professor.