Relíquias sagradas

Reportagem publicada no jornal Boqueirão (Santos/SP), edição n.785, 17 de abril de 2010, página 04.

Documentos históricos da Ordem do Carmo, dos séculos XVI ao XIX, são encontrados por pesquisadores de Santos. Reproduções estão disponíveis para consulta no Arquivo Permanente da cidade.

A historiadora Rita Márcia Martins Cerqueira teve vontade de gritar quando soube da descoberta. Ela estava no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, ao lado dos pesquisadores Alcides Caetano, Anika di Mase e Letícia Fagundes Oliveira, quando os três encontraram, em meio a documentos sobre Santos, papéis referentes à Ordem do Carmo.

Aprofundando a pesquisa, eles perceberam que se tratava de milhares de documentos, entre os séculos XVI (início da colonização) e XIX (período imperial). O acervo era dado como desaparecido desde os anos 70.

A descoberta aconteceu em 2008. Neste tempo, a Fundação Arquivo e Memória de Santos – onde o grupo trabalhava – fechou um convênio-técnico com o Arquivo Nacional. O material, em formato de microfilme, foi digitalizado e enviado ao Arquivo Permanente de Santos, que faz parte da Fundação.

O acervo foi armazenado em oito CDs, agora disponíveis para consulta pública. São milhares de documentos, em números estimados, segundo a historiadora Rita Cerqueira, única que ainda é vinculada ao Arquivo. “Muitos não se encontram em bom estado.” Os originais permanecem no Arquivo Nacional, na capital carioca, à espera de verba para restauração.

A historiadora tem uma relação particular com os documentos. Ela começou a procurá-los na década de 80, quando cursava pós-graduação. “Na Ordem do Carmo, não havia quase nada. Os documentos foram considerados perdidos.”

Os pesquisadores localizaram sem querer a documentação. O grupo estava no Rio de Janeiro para pesquisar informações sobre Santos. O trabalho fazia parte do projeto Resgate, que tinha como objetivo catalogar fontes de apoio para pesquisas sobre a história do município. O resultado do projeto foi publicação do Guia de Fontes para a História de Santos.

Os documentos da Ordem do Carmo foram doados para a sede religiosa, no Rio, nos anos 70, que repassou a papelada ao Arquivo Nacional. A história dos carmelitas em Santos, contada por esta documentação, ainda está desorganizada, embora em ordem cronológica. É uma caixa preta à espera de investigadores.

A leitura dos papéis não será fácil. A deterioração de muitos documentos, somado à caligrafia do período colonial, exige conhecimento de paleografia (estudo das escritas antigas). A historiadora Rita Cerqueira explica que o pesquisador “terá que ser paciente porque a documentação foi reproduzida como foi doada. As datas de muitos documentos só podem ser identificadas neles.”

A descoberta da documentação da Ordem do Carmo é mais um caminho para entender melhor o passado da cidade, assim como o Fundo Câmara, outro projeto em curso no Arquivo Permanente, que visa organizar e classificar papéis da Câmara Administrativa no século XIX. (ver matéria abaixo)

A ordem carmelita desconhece que os documentos digitalizados estão disponíveis ao público. Informado pela reportagem, o pároco superior do Convento do Carmo, frei Lino de Oliveira, explicou que a promessa de recuperação dos documentos foi feita há anos pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. “Dou os parabéns, mas é obrigação deles nos informar e nos enviar uma cópia da documentação.”

História – A Igreja de Nossa Senhora do Carmo data de 1580, construída em terreno doado por Brás Cubas. Em 1599, os carmelitas iniciaram a construção do convento. O local passou por diversas obras, mas conserva a fachada original. Hoje, o Convento do Carmo está em reformas graças aos recursos vindos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

A Capela da Ordem Terceira do Carmo, por sua vez, foi erguida em 1760. O altar, em estilo barroco, foi destruído por um incêndio em 1941. Uma campanha de doações permitiu a reconstrução do espaço. Ambas estão localizadas na praça Barão do Rio Branco, no Centro de Santos.

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