O gênio sofre por amor



Lionel Messi está machucado. Apanhou como um cachorro dos gregos e nigerianos, mas parece imune às feridas físicas. É frágil diante da ferida mais sensível, aquela que dói apenas nele e se esconde atrás dos sorrisos de quem só sabe vencer na África do Sul.

Messi ainda não marcou gols na Copa do Mundo. Até quando reclama, ele é sereno, de fala mansa. O atacante argentino se queixou de que o juiz não o deixou jogar contra os gregos. Imagina se tivesse dado autorização, por escrito e em três vias! Duas lindas jogadas, que resultaram em bola na trave e rebote do goleiro para que Palermo marcasse o segundo gol.

O problema não é o juiz, que pode ser ignorado. Nem os adversários, também vítimas da invisibilidade. Messi é um gênio triste. Não se entende com a bola. Ele serve aos outros. Ele a serve aos outros. Ela se recusa a servi-lo.

O gênio engole a mágoa pela insistência. Obcecado como é típico dos gênios. Pediu para jogar contra os gregos. Em um passado recente, defendeu a seleção no inferno. Agora, deseja com justiça defendê-la rumo ao paraíso.

Messi e a Jabulani se estranham. Parecem discutir a relação. Realmente é estranho. Ele e a bola se divertem com a sedução mútua. Parecem se entender como namorados de anos. Flertam, trocam olhares e carícias, mas a bola não diz sim a ele.

A bola provoca o argentino, ouve as declarações de amor, mas recusa o relacionamento mais duradouro. É como a garota que se deixa levar pelo pretendente até a porta de casa e, na hora da despedida, vira o rosto para ganhar um beijo decepcionante na bochecha.

Como pode alguém escolher o melhor do Mundial sem que ele tenha marcado um gol sequer? Messi ganhou a eleição da semana, mas passou em branco nas três vitórias. Longe de considerar o gol mero detalhe, mas marcar é o contrato de casamento entre o gênio e a princesa africana.

Falta o gol. O gol de Messi, e isso o esfaqueia. Tão fundo quanto perder para o Brasil. A abstinência é terrível para o argentino, o oásis no deserto de músculos e bolas chutadas na dependência da sorte. Logo o argentino, que desfila entre robôs desprovidos de sensibilidade criativa, desprovidos do dom poético que diferencia os especiais dos ordinários.

Messi é a antítese do futebol. Ele nos faz esquecer que futebol é um esporte coletivo, de contato físico, virilidade e força. O atacante que nos faz pronunciar sem culpa, até porque não percebemos a contradição.

- Vamos ver o Messi jogar.



Esqueça a Argentina por um instante. Assisti-lo é congelar o ponteiro para testemunhar o sagrado, presenciar o milagre em cada detalhe do jogo.

Messi, ao receber um passe qualquer, blefa como se a bola já estivesse com ele. O amor entre os dois é simbiótico, a bola como extensão do corpo humano, o imã à prova de pancadas e pernas alheias. Mas falta o beijo que sela o romance.

Messi está triste. É o melhor jogador argentino. Está pronto aos 22 anos. Daí em diante, a promessa de imortalidade. E ainda tem, no mínimo, mais duas Copas do Mundo. Não precisava se preocupar com a glória. Talvez não esteja no alto de sua lista de prioridades. Ele joga como se estivesse perto de casa, com os vizinhos em uma pelada, descalço, sem limites táticos ou prisões de treinadores.

Desconfio que Messi não quer a glória. Quer um amor não-correspondido. Um amor intocável e, ao mesmo tempo, perceptível ao toque dos pés. Messi está machucado. Precisa do gol como o tubo de oxigênio para prosseguir a escala ao topo.

Desconfio que a bola sabe o que faz. Ela se guardou para o argentino. Ela o espera para a ocasião-limite. Aposto que vai se entregar ao menino de 22 anos no final de semana. Creio – pela decência do futebol e pela sina dos mexicanos - que o castigo acabará nas oitavas-de-final, o rito de passagem, a fase de transição da infância para a vida adulta em qualquer Copa do Mundo.

Comentários

alano_luiz disse…
PERFEITA ANALISE, DESTE QUE É HOJE UM EXPOENTE DO FUTEBOL ARTE, TÃO ESQUECIDO NESTA ATUAL COPA DO MUNDO. PARABÉNS MESTRE MARÇÃO. PELO TEXTO UMA SINTESE SOBRE O GÊNIO E O ATO DE SOFRER POR AMOR.
joão thiago disse…
Pobre menino apaixonado... Todos nós já sofremos com isso um dia. Mas, creio, que a Princesa Africana (mesquinha, rebelde, indômita)ainda se entregará ao milongueiro argentino.

Só me preocupa é que a história acabe como um tango, com a mulher (sempre uma traidora) se entregando a outros diante do seu consorte. Pobre Messi... marcado pelo estigma da solidão? Espero que não...